Numa mobilização inédita na história recente da cidade de Piracicaba, a Câmara dos Vereadores promoveu audiência pública em que 18 movimentos culturais tiveram voz para, junto aos vereadores, contribuir com críticas e manifestar as preocupações do setor ao Executivo municipal. O evento, ocorrido na tarde de quarta-feira (28), teve transmissão ao vivo pela TV Câmara e pelas redes sociais – e alcançou 2 mil pessoas e teve quase 400 comentários só no Facebook.
A iniciativa decorreu de requerimento de autoria da Comissão de Educação, Esportes, Cultura, Ciência e Tecnologia da Câmara — presidida pela Rai de Almeida (PT), com relatoria de Thiago Ribeiro (PSC) e tendo como membro Zezinho Pereira (DEM)— e também pela vereadora Silvia Morales (PV) e pelos vereadores Acácio Godoy (PP), Josef Borges (Solidariedade), Paulo Camolesi (PDT) e Pedro Kawai (PSDB). Também participaram da audiência pública os secretários da Ação Cultural e Turismo, Adolpho Queiroz, e de Governo, Carlos Beltrame, e a diretora de Turismo, Rose Massarutto. Todos interagiram por videoconferência.
Com três horas de duração, sendo três minutos para cada movimento se manifestar, a audiência pública reuniu aspirações em comum: a urgência em viabilizar auxílio financeiro à classe artística em razão dos efeitos severos da pandemia sobre o setor; a aplicação dos recursos da Lei Aldir Blanc na cidade; o apelo para que eventos consolidados no calendário local não deixem de ser realizados; a reativação do Conselho Municipal de Cultura; e a preocupação com o plano da gestão Luciano Almeida (DEM) em ocupar o Engenho Central com uma série de serviços, sob o risco de reforçar a concentração da oferta de atividades.
OCUPAÇÃO – Adolpho disse que o “Engenho da Cultura”, como a proposta vem sendo chamada, é “talvez o mais ambicioso projeto do governo municipal”. Após a fase inicial de planejamento, encerrada com os 100 primeiros dias da atual gestão, em que houve o levantamento dos equipamentos e orçamento disponíveis, o secretário terá até agosto “para entregar um delineamento dos aspectos financeiros para a viabilização disso”.
O titular da Semactur disse que o plano quer “trazer vida” para o complexo histórico, reunindo nele atividades “das letras, das artes, da memória, do cinema, da escola, do riso, do esporte, do teatro” e das artes visuais, com o Museu do Açúcar. “Temos 23 barracões, dos quais apenas cinco ocupados e 18 jogados às traças nos últimos anos”, afirmou Adolpho, que também quer agregar ao local opções gastronômicas.
“A criação do ‘Engenho da Cultura’ vai ser um capítulo novo da nossa história e um desafio gigantesco”, comentou o secretário, ponderando que o uso do espaço também “aos sábados e domingos vai ensejar uma reengenharia para o funcionalismo, já que a maioria dos equipamentos trabalha de segunda a sexta”.
Outras propostas da pasta abrangem a organização e gestão “mais eficiente” dos espaços culturais para atender atividades culturais “sem qualquer restrição”; a criação do Sistema de Informação Municipal de Cultura, com o mapeamento dos artistas locais e das atividades culturais existentes em Piracicaba, visando à proximidade “da Prefeitura junto a esses fazedores de cultura”; e o restabelecimento do corredor intermunicipal de cultura, com mais opções para a população mediante “intercâmbio com cidades vizinhas”.
Adolpho também defendeu a “intensificação da comunicação digital diante da nova realidade” e falou que o projeto “Cultura nas Ruas”, “provavelmente em substituição ao que chamávamos de ‘Movimentação Cultural'”, pretende ampliar a oferta de atividades artísticas nos bairros, realizando-as “não só nos centros culturais”, mas também em praças e nos 23 varejões municipais.
Em dois momentos da audiência pública, porém, Adolpho citou a insuficiência de recursos para a execução das propostas, menção também feita por Rose Massarutto ao usar como exemplo a atual diretoria de Turismo, hoje dentro da estrutura herdada da gestão Barjas Negri (2017-2020). Rose, que foi titular da pasta de Turismo, então independente no governo Gabriel Ferrato (2013-2016), lamentou que tenha assumido a área, agora no mandato de Luciano Almeida, com apenas ela respondendo pelo setor.
“Importante dizer que entregamos há quatro anos com 11 funcionárias e R$ 6 milhões de orçamento e pegando agora só comigo, como diretora, e R$ 1,2 milhão já determinado para ações de manutenção, pouco direcionado para novos investimentos. Temos o desafio de reestruturar esse departamento. Conseguimos trazer dois funcionários de volta”, relatou, fazendo menção ao projeto de lei do Executivo que prevê novamente separar Cultura do Turismo, o qual passaria a integrar uma secretaria junto com Trabalho e Renda e Desenvolvimento Econômico.
“GRAVÍSSIMA” – O período de dificuldades enfrentado pela classe artística, em que parte expressiva está há mais de um ano sem renda, foi verbalizado por vários representantes de movimentos durante a audiência pública. “Há necessidade de socorrer nossos artistas e nossa arte, auxiliá-los com o básico da sobrevivência e ter novamente na cidade uma cultura punjante e rica”, disse Anelize Ferraz, do movimento Liberdade, Liberdade.
“A situação nossa é emergencial, para ontem. Muitos músicos estão passando necessidade de alimentação, gravíssima”, alertou a cantora Eva Aparecida Ferraz Leoni. “Estamos vivendo momentos de incerteza e sofrimento, impedidos de trabalhar. Tivemos que nos reinventar. É imprescindível um olhar mais atento aos artistas e sua arte nessa realidade pandêmica”, cobrou Edvaldo Pereira, da Associação Piracicabana de Teatro.
Ele defendeu a manutenção de eventos como o Fentepira (festival nacional de teatro), mesmo apelo feito por Vânia Melo, da Associação de Dança de Piracicaba, sobre a Semana da Dança. A possibilidade, já aventada, de a Pinacoteca e a Biblioteca saírem dos atuais prédios que ocupam também gerou manifestações contrárias dos participantes, como Odair Jorge Demarchi, da Associação Piracicabana dos Artistas Plásticos.
“Os erros cometidos pela antiga gestão não devem ser esquecidos ou minimizados. Queremos que o Plano Municipal de Cultura seja executado em sua totalidade e, quando necessário, discutido com toda a sociedade, com a garantia de orçamento para seu cumprimento nos próximos anos”, declarou Fernanda Ferreira, da Frente das Culturas de Piracicaba, que cobrou que os editais abertos pela Prefeitura “sejam menos burocráticos” e reivindicou “reunião ampla com a classe artística para a discussão do Plano Plurianual”.
COMPROMISSO – Os vereadores fizeram questionamentos e reafirmaram o compromisso com o setor. Pedro Kawai perguntou se o Codepac foi questionado sobre o uso expandido que o Executivo quer dar ao Engenho Central, tombado pelos patrimônios estadual e municipal, e se as propostas do governo contam com o aval do Conselho Municipal de Cultura. “Todas as ações têm que passar por consulta, ou seja, tem que nomear [o novo conselho] para depois apresentá-las.”
Thiago Ribeiro e Ana Pavão reiteraram a intenção de seus mandatos em colaborar com a classe artística. “Estou à inteira disposição, pois merecem valroização, respeito e apoio do Poder Público”, disse o parlamentar. “Podem contar com o meu gabinete. É uma classe a quem vou estar ajudando sempre”, afirmou a vereadora.
Paulo Camolesi citou as dificuldades da categoria e defendeu o auxílio financeiro. “Visto que a secretaria tem verba destinada para cultura, então nada mais justo do que repassá-la a artistas, ao pessoal de som e iluminação que faz parte da cadeia de cultura e entretenimento.” Sérgio da Van disse ver “grande preocupação de Adolpho com os artistas e na valorização de cada um deles”.
Silvia Morales leu posicionamento do mandato coletivo defendendo, “em relação à separação das secretarias, o funcionamento pleno dos quatro centros culturais e do Armazém da Cultura” e a adequação do município aos novos prazos da Lei Aldir Blanc. Quanto ao “Engenho da Cultura”, Silvia, junto com Jhoão Scarpa e Pablo Carajol, disse que para quaisquer alterações para o complexo deve ser apresentado projeto de uso e ocupação que envolva o Engenho e o Parque do Mirante, “com consulta e participação dos diversos setores da sociedade”.
Rai de Almeida, que conduziu toda a audiência pública, ao final encaminhou a criação de uma comissão “com os diferentes segmentos da cultura, para que acompanhe todo o processo de elaboração” do novo Plano Plurianual, “que é a peça que vai definir as políticas para os próximos quatro anos”, como também a ocupação proposta para o Engenho Central e a possível mudança de prédios da Pinacoteca e da Biblioteca.
Ricardo Vasque – do departamento de comunicação da Câmara.