Tuiuti: um grito feito pele do tambor

Tuiuti: um grito feito pele do tambor

 

Força, raça, libertação. O povo na praça contra a escravidão. Tambores lavados no sangue sagrado de mãos calejadas de história. Pele de ouro negro, do ouro negro de nossa gente – espírito ancestral maior a encarnar ação, beleza e sabedoria – num reluzir mágico, mítico e místico. Cantos e coros em procissão. Vozes, gargantas e suores materializando o impossível: (u)topos e logos concretos, lugar de palavra e vontade. Giros de saias, gingas em giras, corpos e almas em união. O Quilombo da Favela a sentinelar corações, a romper os grilhões da humilhação e do poder da maldade bruta e crua. Gritos feito pele de tambor a vibrar a energia mais pura contra o braço armado do feitor, contra a desfaçatez do senhor – e dos senhores – deste engenho-nação.

Não era apenas uma escola de samba, era toda uma nação oprimida por séculos. Não era apenas um desfile, era uma marcha – uma ofensiva dada em nome daqueles que ainda sentem as correntes do preconceito a tentar encarcerá-los nas senzalas do cotidiano. Não era uma noite qualquer, era uma madrugada ritualística – conduzida e embalada pelas entidades guardiãs de um templo do amor universal, recobrindo seus filhos de bênçãos e unções. Nem pagão nem cristão (porque sublime e racial), nem intelectual nem moralista (porque alegre e vivo, porque humano e contente, porque belo e vigoroso, porque Carnaval). Subversão exigida, necessária, sagração da arte em sua natureza mais antiga, a Vox Populi-Vox Dei, na avenida, não era apenas um canto, não era apenas um samba.

Renascimento urdido na espera de tempos outros que nunca chegam, o que – senão a força, a beleza e a sabedoria de nossa negritude – seria capaz de congregar novamente mentes e corações em busca de soluções para as questões mais cruéis de nosso tempo e sociedade? Quem, senão a gente mais simples e bela de nossa gente, seria capaz de tocar fundo, de fazer vibrar com tanta força o desejo de comoção obrigatório para se mudar os rumos da nação. O que, senão a Arte – em sua raiz mais escondida – seria capaz de dizer o que não conseguimos mais dizer pelas vias oficiais da linguagem seca dos dias de semana? Qual melhor forma de denúncia, de protesto, de revolução senão a exercida pela arte do povo – a verdadeiramente genuína arte do povo (original e telúrica como o é)?

Expostos vampiros e demônios, capetas e marionetes do tinhoso, prevaleceram sobre eles – da dança sacroprofana do povo – o espírito da graça, do humor e da troça mais dura que as balas e as armas dos canhões do exército. Avante tambores da nação! Vozes ao alto! Ante os quartéis, pincéis armados com tinta. Ante a trombeta rude, o tambor gritando nossas esperanças.

Grato, Paraíso do Tuiuti – que nome melhor para um novo tempo? –, por nos mostrar que jamais podemos nos esquecer de quem realmente somos. Grato por nos lembrar que, juntos, podemos mais. Grato por nos mostrar que com a força, a sabedoria e a beleza de nosso povo podemos fazer deste país um paraíso, de fato, para todos!

Parabéns, escola campeã do povo!

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