Às vésperas de agosto – por Carla Ceres

Às vésperas de agosto – por Carla Ceres

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Quando agosto vem chegando com seu cortejo de assombros, minha cidade se prepara para aniversariar. Outros meses podem ser futuristas, corriqueiros, passionais, destemidos, pragmáticos, mas agosto é de outro mundo. Tem um pé no impensável, outro no inadmissível e muitos, muitos outros pés bailando sobre a magia. Agosto é uma centopeia festeira, levemente assustadora. Seu campo de distorção temporal cria o segundo semestre de julho, faz o tempo se arrastar enquanto a alma da cidade galopa pelas colinas.

Todas as cidades têm alma. A de Pira é morena, moça e está noiva do futuro há quase um quarto de século. Às onze em ponto de julho, a noiva, envolta em neblina, visita os portais antigos da Pira Paralela, a cidade subjacente à moderna Piracicaba. Apure os ouvidos! Se prestar muita atenção, perceberá não apenas o som das ferraduras sobre o asfalto, mas ouvirá também as fagulhas que soltam. Ver sons e ouvir imagens, nada mais comum às vésperas de agosto.

DSC04453Para chegar à Pira Paralela, siga a noiva e repare que as ruas vão mudando de nome. As placas não mostram nada parecido com avenida Presidente Gringo, avenida Interventor Fulano, avenida Prefeito Beltrano. Exibem apenas rabiscos com os dizeres: rua da Forca, rua do Cano Frio, rua Nova da Ponte Velha, rua Velha da Ponte Nova, rua Dona Coisinha, rua das Ripas Tortas. O mesmo acontece com as denominações dos bairros.

Alguns lugares da cidade são portais permanentes para a Pira Paralela. O Peixe Perfumado, mistura de monumento e mural para pichações de protesto, já levou inúmeras pessoas a experimentar alterações de consciência, por causa de seu odor inebriante. Certos buracos no asfalto também servem como portais. Piracicaba cultiva crateras por razões místicas. Existe modo mais rápido de passar para um mundo melhor do que batendo a cabeça no volante?

DSC06823Não pensem que a Pira Paralela vive presa ao passado. O futuro também mora lá, um futuro de ficção científica à moda do povo. Dinossauros recriados pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura pastam ao luar e fornecem adubo às plantações de cana-de-açúcar. O rio Piracicaba nunca sofre com a estiagem porque a prefeitura investe o dinheiro do asfalto na compra de canhões para bombardear as nuvens com cocos-da-baía, que têm efeito diurético.

A Pira Paralela transborda poesia e esperança. Alimenta artistas, historiadores e folcloristas. É onde a alma de Piracicaba aguarda um noivo à altura de seus sonhos

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carlicatura Carla Ceres

 

 

 

 

 

Carla Ceres é escritora.

(fotos: Alê Bragion)

16 thoughts on “Às vésperas de agosto – por Carla Ceres

  1. Mamãe dizia que “agosto, era o mês do desgosto” – é que traziam lembranças trágicas, para ela – e, muitos dizem que em agosto “as bruxas” ficam soltas…Particularmente, nada tenho contra ele. Às vésperas de agosto, é mesmo surreal, o bom é que eu gosto do surrealismo, a começar pela imagem primeira…Fiquei fã da Pira Paralela (que não conhecia, nem à outra, agora sim) por sua alma tão linda, pelos nomes das ruas e porque “transborda poesia e esperança. Alimenta artistas e folcloristas”. Que venha o noivo para Piracicaba mas se preserve todo o encanto que tem e que os sonhos sejam bem alimentados nas realizações futuras.Feliz aniversário, em agosto!

  2. Carla! Achei que estivesse lendo uma fábula! E, creio que sim, pois da Pira Paralela às ruas com seus nomes típicos de um agosto com muita bruxaria a desvendar… ao cenário de um por do sol fantástico, só resta feito “princesinha Piracicaba” esperar a chegada do noivo (eleito ou não) com seu beijo salvador consertando buracos e despoluindo suas águas, hoje um tanto escassas… Moral da mesma: – que nas urnas saibamos escolher o noivo…
    Abraço.

  3. oi Carlinha,

    só pra variar seus textos são excelentes,
    sempre saio encantada com sua capacidade de me envolver com suas palavras,
    agosto não me era um mes dos mais simpáticos mas no dia 18/08/2013,nasceu minha princesa,
    que não é a Piracicaba,é a Valentina,e a partir dai agosto passou a ser o mes mais doce do calendário…

    beijinhos

  4. É mesmo! A Valentina nasceu na décima oitava perninha da centopeia festeira. 🙂 Vai ser uma leoazinha muito feliz. Beijos pra vocês duas, Rô!

  5. Não é só a Pira Paralela que transborda poesia. Sua crônica também transborda poesia, Carla, muita poesia. E como se trata de você, não deixa de respingar também comicidade.
    Adorei!
    Beijo!

  6. “Certos buracos no asfalto também servem como portais.”
    Morri!!!!

    Carla, você deveria mandar esse texto para o prefeito. Ficou mais que genial e estou prestes a te convidar para escrever sobre Rio Preto!

    Parabéns, amiga! Você arrasa!

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