Vamos cancelar o Natal?

Vamos cancelar o Natal?

A palavra Natal é derivada do latim, vem do verbo nāscor (nāsceris, nāscī, nātus sum) que tem sentido de nascer. Mas a lembrança mais popular que se tem dela se refere a data de 25 de dezembro, quando o cristianismo comemora o nascimento de Jesus Cristo.

Se já não fosse um registro simbólico devido ao significado do surgimento da vida, o Natal de Cristo é um evento mais importante ainda devido a filosofia inaugurada por Ele, ligada predominantemente à valorização da vida e tudo que remete a ela, à vida abundante, como Ele mesmo enfatizou. Desta forma, a celebração do Natal é mais que a comemoração de uma criança que vem à luz, que já seria um motivo singular, mas a festividade do aparecimento de uma nova maneira de viver, de se comportar, de escolher e conceber as coisas. O Natal é mais que a festa da vida, é a festa da vida segundo os valores e padrões de Jesus Cristo.

Diante disso, surge um incômodo, um desassossego, frente a um certo cristianismo inventado no nosso tempo, a despeito do cristianismo vivido e pregado por Jesus. Um cristianismo que banaliza a vida, que debocha dela, satiriza, relativiza. Uma religião que ironiza a dor alheia, não se preocupa com o sofrimento (dos outros), e mitifica coisas extremamente agressivas como preconceito, indiferença, discriminação, desrespeito e ironicamente defende a tortura e a morte.

Alias, é bom salientar que defender a morte não está associado somente a aprovação de leis que penalizam através da execução de uma pessoa, mas em apoiar, supor, insinuar qualquer processo de morte, seja através da ação ou da omissão. Entenda-se processo de morte negar socorro, manter-se neutro, fingir que não vê, alguém que morre espancado dentro de um supermercado, por exemplo. Quem se nega a defender a vida, fatalmente, defende a morte. E a maior desculpa para esse “apoio camuflado” à morte é que a violência veio do outro, não fui eu quem começou, eu estava quieto no meu canto, ele não prestava mesmo.

É exatamente aí que o cristianismo nos confronta duramente, porque na lógica cristã a paz deve ser mantida mesmo quando se sofre desrespeito, agressão ou violência, propriamente dita. “Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica” (Evangelho de Lucas, capítulo 6, versículo 29). A lógica cristã vai além da vingança, da retribuição, do revide. Por isso mesmo, por mais desafiador que seja, não cabe a um cristão ter uma arma para “responder” violência com violência! Mas infelizmente, essa é a lógica desse “novo cristianismo” surgido agora.

E então, como celebraremos o Natal? Pior, como celebraremos o Natal de Cristo? Como celebraremos o Jesus, nascido em Belém, pacificador, que pregou a cultura do amor ao próximo, a partilha, a ajuda, a tolerância, a compaixão e o perdão, com armas nas mãos? Como cantar os hinos que celebram a vida dentro de igrejas que defendem a morte, ou se omitem diante dela? Como celebrar a união de todos os povos, a fraternidade, a igualdade se tivermos entre nós famintos e sedentos não somente de comida, mas também de justiça? Qual Cristo anunciaremos em nossas canções? O Cristo da paz ou esse outro adaptado toscamente aos processos de guerra? Como cantar o Natal do Cristo que morreu indignado com a injustiça e o descaso com os pobres se não tivermos sensibilidade para estender a mão a quem precisa?

Não há como conciliar o Natal de Jesus Cristo com as atrocidades que vemos nos palácios do nosso país, nas armas dos “cristãos”, nos discursos omissos de muitos pastores e padres, na tranquilidade de religiosos que preferem o conforto da conivência, no desemprego, na injustiça dos poderosos, na ambição daqueles que foram eleitos para lutar pelo povo e pensam somente em si. Vamos cancelar o Natal! Desistir do cristianismo verdadeiro! Ou então, sinceramente, piedosamente, com o coração contrito, cartar juntos aquela velha canção que nos questionava: Que estou fazendo se sou cristão, se Cristo deu-me o seu perdão? Há muitos pobres sem lar, sem pão, há muitas vidas sem salvação. Mas Cristo veio pra nos remir, o homem todo, sem dividir: Não só a alma do mal salvar, também o corpo ressuscitar.

Quem sabe assim possamos celebrar o Natal dEle, de Cristo, da fraternidade, da vida e do amor, e não o nosso, o dessa cultura cruel, dessa nova religião, voltada para nós mesmos.

Reverendo Nilson da Silva Júnior é pastor e professor.

revnilsonjr@gmail.com

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