Unimep: passado de juventude e ousadia

Unimep: passado de juventude e ousadia

Pessoas envelhecem. Instituições envelhecem porque, por vezes, mantem no poder apenas os que estão envelhecendo e que se julgam, pela idade acumulada, no direito de definir e dirigir o futuro que não lhes diz mais respeito. Houve épocas em que era possível se ter tempo para se adequar às mudanças. Hoje isso é quase impossível dada a velocidade com que a tecnologia produz alterações. Reagir a elas, insistindo em práticas do passado, é simplesmente se colocar à distância dos mais jovens – sendo quase impossível responder às expectativas das novas gerações.

A UNIMEP da qual tanto se falou nesta semana e de cujo fim tantos lamentaram foi uma Universidade que – à época em que desenhou sua personalidade, seus compromissos e as linhas que a marcariam durante décadas – era fundamentalmente composta por gente jovem, abaixo dos 40, em começo de carreira docente, repleta de sonhos. Seus reitores, em seus primeiros mandatos eram jovens. E o mandato dado a Elias Boaventura se imbuiu desses fatores – o da luta de gente jovem que queria se fazer ouvir na nova instituição que surgia em Piracicaba.

É preciso, todavia, entender que a UNIMEP só pode se fixar como uma Universidade de ousadia, de linguagens fortes, de confrontos corajosos porque ela surgiu num tempo que pedia tudo isso. E que seus jovens dirigentes entenderam que era isso que se pedia nas ruas, com que se ousava sonhar, que era preciso enfrentar, exatamente quando o país tentava garantir sua redemocratização. Naqueles anos 1980, conjugaram-se duas figuras essenciais para que isso acontecesse: Elias Boaventura – levado à reitoria da instituição aos 42 anos (Almir Maia quando vice-reitor tinha 34 anos), mas também João Herrmann Neto – prefeito de Piracicaba com apenas 30 anos.

A UNIMEP não teria se tornado o que se transformou sem essa conjugação do poder local e as parcerias constantes com a prefeitura e o clima que se disseminava pelo país ainda se esforçando para se distanciar da ditadura miliar.  Não teria havido os congressos da UNE, encontros dos palestinos, seminários com Paulo Freire e pró-reatamento de relações diplomáticas com Cuba. Não se conseguiria vencer o conservadorismo metodista que já se articulava dentro das práticas daqueles anos – e que também levariam à tentativa de golpe, buscando afastar Boaventura em 1985. Há que se admitir que a reintegração de posse do Campus Centro, autorizada pela Justiça naquela ocasião, inclusive com eventual uso das forças policiais, não aconteceu também pelo trabalho de João Herrmann, impedindo os oficiais de Justiça de entrarem no local e notificarem o reitor – e seu contato com o então governador de São Paulo, Franco Montoro.

Foram os primeiros anos da adolescência da UNIMEP que a marcariam para sempre. Porque era um tempo de reconstrução de valores, de reconquista da democracia, de anistia que permitia que exilados inclusive se integrassem ao corpo docente, de apoio a prostitutas e meninos de rua, por mais que isso incomodasse as elites locais. Não importava tanto, porque, em contraposição, a UNIMEP sabia contar com o apoio constante e forte na prefeitura local. Os tempos subsequentes, com uma outra conquista a ser realizada – da qualificação docente e a valorização dos professores, com garantia de sua qualificação e titulação – foi o tempo da qualidade do ensino, da compreensão da extensão dentro do que se entendia como universidade, de pouco a pouco garantir recursos à pesquisa. Foi mais do que resposta a um tempo: foi a antecipação ao que ocorreria no país todo em termos de lutas e conquistas do ensino superior, na luta de seus professores, nas exigências da qualidade de ensino ofertado.

Não, a UNIMEP não foi uma instituição apenas de excelência de cursos. Isso, uma instituição que tivesse recursos conseguiria. O que a distinguiu foi somar essa essencialidade – que precisou ser muito perseguida até quase se chegar lá em várias de suas áreas – aos outros compromissos sociais, políticos, ideológicos dos seus primeiros anos. As marcas de um tempo que a instituição entendeu.

Hoje, a maioria dos que se lembram desses anos da UNIMEP – dos quais nasceu a marca de ser tachada de comunista (forma como se tentava ofender/caracterizar quem queria estar além da subserviência aos militares e à direita especialmente no final do século passado) – está com mais de 50 anos. Talvez não consigamos mesmo entender e traduzir adequadamente o que uma Universidade precisaria ser para dialogar com os mais jovens, com a Inteligência Artificial, com as redes sociais, com os influencers, com professores capacitados para Educação a Distância. Com quem precisa do saber aplicado e não envolto apenas em digressões teóricas, quem pede justiça e denuncia outro tipo de corrupção escancarada, quem entende a passagem do tempo em outra velocidade, quem sabe que as profissões que durante décadas eram referenciais para se sonhar já não garantem quase nada aos novos profissionais que surgem.

Elias Boaventura e Dom Hélder Câmara.

 

Tenho para mim que a UNIMEP – aquela Universidade da qual fomos privilegiados ao poder ajudar a construir, privilegiados em nela estudar, privilegiados pelos seus espaços democráticos – foi fruto de um tempo, e não apenas de pessoas, de líderes essenciais na sua edificação, de muito esforço e acerto em seus projetos.

Esse tempo não existe mais. Há que se pensar em outras instituições, com outros perfis, outras respostas, outras conquistas. Há que se pensar em gente jovem assumindo o espaço da educação, da pesquisa, da extensão, da tecnologia, da cultura diversificada, da negativa aos velhos preconceitos e conceitos de gênero, raça e aparência. Gente jovem que, com as gerações anteriores que ousaram garantir a UNIMEP, mais do que qualquer coisa, apenas tenha aprendido a sonhar.

 

(Foto de capa: Elias Boaventura, Rubens Ricupero e João Hermann Netto).


Beatriz Vicentini é jornalista.

3 thoughts on “Unimep: passado de juventude e ousadia

  1. Texto maravilhoso, com análise histórica lúcida. Situar a Unimep no contexto das lutas democráticas é uma chave de leitura muito apropriada. Uma alegria começar o domingo com a leitura de um texto que também uma inspiração.

  2. Muito grata por sua apreciação, Prof. Adelino. Penso que neste momento de “fim” da UNIMEP misturam-se emoções – inclusive negativas – que por vezes impedem análises mais objetivas. Mas a UNIMEP foi muito mais do vivências pessoais – extremamente preciosas e certamente definidoras de muitos que ali passaram – foi um espaço, em um tempo propício a tudo isso, de lutas democráticas.

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