Há exatos 40 anos falecia Tancredo Neves – às vésperas de tomar posse como o primeiro presidente civil brasileiro eleito por um colegiado (também civil) após pouco mais de duas décadas de ditadura militar no Brasil. A morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985, marcaria a luta pela liberdade no país no século XX, o fim de um tenebroso período de porões, torturas, mortes e desaparecimentos comandados por um estado de exceção que é preciso ser sempre lembrado para que não se repita. Não por acaso, nesses 40 anos da morte de Tancredo Neves a imagem que a retina da história cristalizou é a da imensa bandeira brasileira encobrindo a multidão pelos gramados de Brasília quando do anúncio da vitória de Tancredo Neves no colégio eleitoral – tendo como adversário Paulo Maluf.
No mapa tortuoso da história, a morte do mineiro Tancredo Neves se deu – e há uma série de teorias do conspiração sobre ela e sobre a data que evidentemente cabe aqui deixar de lado – no mesmo dia em que outro mineiro, esse no século XVIII, seria enforcado e marcaria a vida nacional como um dos primeiros símbolos da busca por liberdade e independência da nação: Tiradentes. De nome Joaquim José da Silva Xavier, nascido na capitania de Minas Gerais – dentista amador que utilizava desse expediente para complementar sua renda – Tiradentes foi militar e atuou de maneira decisiva na Inconfidência Mineira, lutando (e morrendo) contra a dominação e a exploração da coroa portuguesa.
Em data assim emblemática para a história do Brasil, a morte do Papa Francisco – que era argentino de nascimento – não deixa de prefigurar, ao que pese a tristeza do acontecido, como uma curiosa coincidência. Este 21 de abril, feriado no Brasil, marco histórico da luta pela liberdade e autonomia em nosso país, coincidentemente neste ano também é celebrado em alguns países da Europa – como na França e na Espanha, por exemplo – como feriado religioso, a segunda-feira de Páscoa. Dia de transformação espiritual e renovaçõa.
Reformista, exemplo de humildade, dedicação aos mais pobres e a humanizador de uma igreja encastelada em seu poder – inclusive econômico -, Papa Francisco não agradava aos conservadores. Sua vida e sua obra tem no nome de Francisco – de São Francisco de Assis – o modelo de humanidade por ele desejado. “Desejo, antes de mais nada, que cada pessoa, independente de sua orientação sexual, seja tratada com dignidade e respeito” – escreveu, por exemplo, em Amoris Laetitia, uma de suas exortações apostólicas que causaram furor (em progressistas e humanistas) e ódio (entre tradicionalistas e conservadores).
O legado libertador de Francisco – cuja trajetória em doze anos de pontificado é imensa e precisa ser revisitada com interesse constante – encerra-se no plano terreno assim, por coincidência, no início da páscoa. Aliás, em mais uma curiosidade mística para a data de hoje, cabe lembrar que o número 21 em redução cabalística (judaica, portanto) é 3 – número do Cristo, simbólica e obviamente ligado à extrema espiritualidade, à transcendência, à divindade e à liberdade do espírito.
Coincidências. Para nós, aqui no Brasil, que lutamos contra os avanços da extrema direita e de suas forças tenebrosas, o 21 de abril marca-se agora também trino: Tiradentes, Tancredo, Francisco.
Coincidências e misticismo à parte, a história segue. A luta pela liberdade segue com ela. Todo dia.
Obrigado, Papa Francisco.
Papa Francisco, presente!
Diário do Engenho.