Teologia do Fuzil

Teologia do Fuzil

O dicionário define Teologia como “a ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo e como o conjunto dos princípios de uma religião; doutrina”. O que ele não explica é que existem várias “teologias”, ou seja, estruturas de pensamento a partir de teorias que compõe um tipo específico de interpretar o texto sagrado influenciando diretamente no comportamento na sociedade em que se vive. É por isso que existem várias denominações religiosas, mesmo que estejam abrigadas na sombra de uma religião. Entre elas, poderíamos citar vários tipos de pensamento teológico. Poderíamos citar, por exemplo, no caso do cristianismo, a Teologia Sistemática, Teologia Bíblica/Exegética, Teologia Prática, Teologia Histórica, além dos vieses que, por exemplo, alinham ideologicamente as doutrinas calvinistas, arminianas, entre outras, que envolvem temas como batismo, predestinismo e livre-arbítrio. Desta forma, fica claro que a Teologia não é uma só, mas uma forma sistematizada ou não de um determinado segmento pensar a religião e, especialmente, de praticá-la. É nesse contexto que vimos nascer muitas formas de pensamento dentro da igreja da América Latina, como a Teologia da Libertação ou a Teologia Progressista ou ainda a Teologia da Prosperidade.

A partir disso lembro da minha adolescência nos anos 80, quando cantávamos em nossas comunidades músicas como “O nosso general é Cristo”, “Eu posso escutar o exército de Deus marchando sobre a Terra”, enquanto as crianças eram embaladas por canções do tipo “Sou um soldadinho de Jesus”. Aquelas músicas, subjetivamente, traziam “empoderamento” a um povo pobre, em sua maioria da periferia, que agora se via engajado num exército poderoso e capaz de “pisar numa tropa e saltar as muralhas”. Acontece que o que a gente canta, a gente crê e o que a gente crê nos impulsiona e dá sentido à vida. Nascia ali a “teologia do fuzil”, da guerra, de uma gente que tudo podia, um povo que ordenava e as coisas aconteciam, uma crença recheada de ordens e determinações que chegava a amedrontar. Ali, grande parte da Igreja Protestante brasileira, sem perceber, deixava de seguir o andarilho simples, o profeta de Nazaré, filho de carpinteiro, líder de alguns pescadores, nascido na aridez palestina há mais de 2000 anos, para se alinhar a tropas poderosas. Quem era pequeno, pobre, andando humildemente nas ruas das cidades do interior do Brasil, agora ganhava o status de soldado de um Rei poderoso, montado em cavalo e armado de espada.

Já na Faculdade de Teologia foi que caiu por terra meu afã de ser oficial naquele exército imaginário. Lembro como se fosse hoje quando o professor de História da Religião, o querido Prof. José Carlos de Souza nos perguntou: “Será que Jesus algum dia quis ser general de algum exército?” Aquela pergunta me ajudou a ver que estava em sentido contrário ao Cristo que professava. Vi que Jesus sempre pregou e pretendeu ser seguido por pacificadores, pessoas que anunciavam e viviam o amor e a paz. Eu estava completamente enganado sobre o Mestre e mudei minha forma de ser cristão, mas, infelizmente, constatei que pertencia a um segmento já contaminado por uma ideologia de guerra, de disputa, armada e pronta para matar, mesmo que fosse apenas em seu imaginário, quem se opusesse a seu interesses.

A política inaugurada com a posse do governo atual não trouxe à tona apenas uma oposição política ao antigo governo ou uma discussão ideológica, antes disso, despertou na cabeça de muitos “cristãos” da Teologia do Fuzil através do surgimento de um “messias” armado, que prega a guerra, a arma, a morte e a dor a qualquer um que confrontar seus interesses. Para muitos é a concretização de uma profecia, o surgimento de um “comandante” para liderar um “povo santo” na batalha final contra todo o mal. Mas há um grave equívoco! Um erro estrondoso nessa filosofia do fuzil! Jesus nunca quis ser chefe militar, nunca incentivou a violência, nunca pregou a morte, o ataque, o golpe! Ele sempre esteve preocupado com a vida, sempre quis mudar a lógica da ganância pela partilha, do ganho pela dádiva. O Cristo bíblico não tem nada a ver com o fuzil, nem com capitães e generais, Ele é um pregador da paz, da solidariedade, da compaixão. Seu reino é o lugar da igualdade, Seu céu é o céu da paz e não da guerra, e os seguidores do fuzil, caminham em direção contrária ao cristianismo, a Jesus e a Deus.

 

 

 

Prof. Dr. Rev. Nilson da Silva Júnior

revnilsonjr@gmail.com

 


Foto de capa: Pedro França/Agência Senado.

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