Há algo de podre no reino do Brasil – poderíamos dizer numa paródia de Hamlet. Mas, infelizmente, por aqui não há apenas um simples “algo” errado. Há, sim, muito mais do isso. O jogo sujo que retroalimenta a disputa pelo poder nas terras do cerrado brasiliano esconde muito mais do que o que sonha a nossa vã filosofia.
Na tragédia shakespeariana, o fantasma do rei aparece ao príncipe Hamlet para avisá-lo que Claudius – tio do príncipe – tramara o assassinato do rei para que, com a morte deste, ele pudesse assumir o trono casando-se com a rainha, mãe de Hamlet. Atormentado pela dúvida imposta pelo fantasma do pai, Hamlet hesita em agir contra Claudius. Sua falta de ação gera sua própria tragédia e a de seus familiares e súditos.
No palácio da Alvorada, por sua vez, é o rei Temer aquele a ser atormentado por fantasmas. Na grotesca tragédia brasileira, é o próprio rei quem foge do palácio atormentado por assombrosas assombrações. Não deixa de ser um fato curioso que o temerário rei nu do Brasil abandonou o palácio real e voltou a morar no Jaburu – seu palácio de vice-decorativo. Como justificativa, disse não se sentir tranquilo naquele lugar supostamente assombrado por fantasmas (é sério!).
Seria um presságio de seu fim? O traidor estaria às voltas com fantasmas que viriam fazer justiça? Pelas mãos de um açougueiro de luxo – e coloquemos luxo nisso – Temer começou a ser abatido. Ingenuamente abatido. Não foi preciso grandes tormentos. Na calada da noite, o rei nu viu a lua cheia roubar-lhe o poder em pleno palácio. Não foi preciso adagas nem estacas. Um gravador vagabundo traçou o destino do temerário presidente alçado ao poder via golpe parlamentar.
No reino da Dinamarca shakespeariano é assim: o rei não sabe em quem confiar. Nos palácios da Alvorada e Jaburu também. A mão que afaga é a mesma que apedreja. Hoje traidor, amanhã traído.
O que não faltam ao rei nu são, no entanto, fantasmas. E o primeiro já cumpriu o seu destino: Zveiter, o fantasma relator, parece ter aberto nesta segunda a porta dos palácios reais de Brasília. A indicação, do relator, pela continuidade do processo contra o rei temerário se configura como a primeira nota de uma fúnebre marcha para o cadafalso.
Outros fantasmas estão à espera. E são tantos que o rei nu não pode mais fugir para lugar nenhum. Nem a Pasárgada de Manuel Bandeira lhe resta.
Agora, é esperar as trombetas reais anunciarem a descida da guilhotina.
Ser ou não ser não é mais a questão.