“Vamos precisar de todo mundo
Um mais um é sempre mais que dois
Pra melhor juntar as nossas forças ”
(O sal da Terra, Beto Guedes)
Atravessamos um dos momentos mais difíceis da história recente do nosso país. Estamos enfrentando uma pandemia que já matou, oficialmente, mais de 28 mil brasileiros. Mas, para piorar tudo, temos o pior governo desde a redemocratização. Exagero? Não, com todos os problemas e percalços que a democracia brasileira enfrentou com Collor, FCH, Lula e Dilma, nada se assemelha ao desastre do governo Bolsonaro.
Bolsonaro, como bem disse Eliane Brum, é antipresidente. E, nessa condição, ele age para destruir toda e qualquer possibilidade de termos um governo. Infelizmente, nós que sempre enxergarmos Bolsonaro do jeito que ele é, não tivemos sucesso em dissuadir os 57 milhões de brasileiros que, na última eleição, entregaram o Brasil nas mãos de um candidato abertamente antidemocrata, defensor da ditadura e de torturadores, que sonhava, desde quando era um deputado insignificante, matar 30 mil brasileiros – segundo ele, para fazer o trabalho que a ditadura-civil-militar não fez.
O desgoverno de Bolsonaro consegue ser pior do que imaginávamos. Ele se cercou das figuras mais perversas e insensatas que nossa disfuncional sociedade foi capaz de criar: Weintraub, Damares, Salles, Guedes, Heleno, os próprios filhos de Bolsonaro, Sara Winter, Sergio Camargo e assim segue o cortejo de bizarrices. Mas que não se enganem, não são apenas bizarros, idiotas, medíocres, ressentidos. São fascistas. E depois do “É só uma gripezinha”, “É histeria da mídia” e, finalmente, do “E daí, quer que eu faça o quê?” de Bolsonaro diante das mortes por covid-19, depois da dispensa de dois ministros da saúde e da militarização do ministério da saúde, da omissão do governo em relação às famílias das vítimas, da criminosa ‘defesa’ do presidente da cloroquina contra todas as evidências científicas no tratamento da Covid, já não é possível continuar dizendo que é por “falta de torcida” ou “por torcida contra” que o governo não dá certo.
Felizmente, embora bastante tarde, muitos brasileiros abriram os olhos. Estão arrependidos, outros envergonhados, enquanto alguns, para ser honesta, acredito que temem se perder no bonde da história, e todos tentam se afastar de Bolsonaro e de sua milícia. Mas para derrotar Bolsonaro e seu projeto de violência e de morte, “vamos precisar de todo mundo”, como diz os versos de Beto Guedes.
E, sim, é muito difícil aceitar do mesmo lado pessoas que se negaram a ou fingiram não enxergar o desastre para o qual o Brasil caminharia se Bolsonaro fosse eleito. É difícil aceitar que venham agora dizer que não sabiam que Bolsonaro era isso: um miliciano, autoritário, desumano e, sim, corrupto. É difícil aceitar que vamos precisar de quem ajudou eleger esse delinquente. É verdade que entre os que agora se dizem assustados com Bolsonaro, há muitos que tem o mesmo projeto de morte e violência – que também querem saquear todos os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos – mas que se sentem incomodados com a grosseria, a xucrice, a falta de modos de Bolsonaro. Se não fosse isso – os palavrões, os chiliques, os exageros – estariam confortáveis destruindo a Constituição de 1988 pelas beiradas. Não podemos ser ingênuos, mas também não estamos em condições de dizer que não queremos essas pessoas agora contra Bolsonaro.
Não vai ser fácil. As ruas, hoje, mesmo diante das restrições e da necessidade de distanciamento físico, deram provas de que há resistência. De que somos maioria contra o fascismo que arreganha cada vez mais os dentes. Certamente vencida esta batalha, não estaremos todos do mesmo lado. Precisaremos da memória, da imprensa séria, para cobrar, na hora certa, os “democratas” de ocasião, que não titubearam em viabilizar e patrocinar Bolsonaro e seu projeto de cancelamento de direitos e de CPFs. Mas se, pelo menos, houver um compromisso de respeitarmos o jogo democrático, de não colocarmos as regras do jogo em xeque, se os agentes agora unidos contra o fascismo e o autoritarismo se comprometerem a ser vigilantes daqui para frente e impedir que ameaças como Bolsonaro novamente cheguem ao poder, talvez, no futuro próximo, poderemos comemorar o fortalecimento da nossa democracia.
Francine Ribeiro é filósofa e professora no Instituto Federal campus Capivari.
É muito triste ter um líder como este que tem um discurso agressivo.
Em um monumento tão crítico na saúde e na economia brasileira.
Olá Profa. Franscine, parabéns pela análise lúcida e profunda. Neste momento é fundamental construirmos a unidade em torno da defesa da democracia. Fraternal abraço.