Diante da situação de alerta e incerteza mundial, temos que nos perguntar o que o governo brasileiro está fazendo para conter a contaminação por covid-19 no país e para enfrentar a crise que bate à nossa porta. Nesse exato momento, enquanto escrevo, algumas centenas de brasileiros estão nas ruas em algumas cidades, numa manifestação despropositada que ataca o Congresso e o STF e mostra seu apoio irrestrito a Jair Bolsonaro. No meio de uma pandemia, quando as orientações de especialistas e autoridades são para evitar aglomerações, deputados e líderes religiosos chamam as pessoas para as ruas. E o que faz o presidente da República? Compartilha vídeos da manifestação e comemora em suas redes sociais a irresponsabilidade de seus apoiadores, tornando-se o irresponsável-mor da nação.
Certamente, não dava para esperar nada de diferente. Bolsonaro e Cia já deram provas suficientes de irracionalidade e obscurantismo: são anti-ciência, terraplanistas, negacionistas do aquecimento global, anti-vacinas, mal-educados e escatológicos e adoram teoria da conspiração – e tudo isso está muito bem exemplificado no guru que eles idolatram: Olavo de Carvalho. Olavo é a personificação de todas essas ideias estapafúrdias que agora tendem a se tornar o novo senso comum da extrema-direita brasileira. E todos eles aprenderam muito bem com o professor Olavo, como fazem questão de repetir os irmãos Weintraub: são grosseiros, agressivos, mentirosos, e acusam os outros daquilo que eles fazem o tempo todo.
Mas está muito enganado quem pensa poder separar nesse governo uma ala menos delirante ou até mesmo “técnica”, como alguns setores da imprensa insistiam em fazer até algumas semanas atrás. O ministro da Economia, Paulo Guedes, em nada difere da ala ideológica-delirante do bolsonarismo. Paulo Guedes tem o mesmo DNA beligerante, tosco e de poucas luzes. Guedes, assim como aqueles jovens salvadores-da-pátria da Lava-Jato, tem convicções e nada mais. Convicções mofadas e empoeiradas que ele traz lá dos anos 1970, compartilhada à época por ditadores e setores autoritários da sociedade. Guedes nunca se interessou pelo bem público, acostumado a ganhar dinheiro em suas operações de mercado, viu na possibilidade de virar ministro – superministro da economia diga-se de passagem-, a oportunidade de maximizar os lucros de investidores como ele – homem de investimentos diversificados, que vão da educação ao setor de aluguel de carros, passando por bancos, claro. Serviços públicos, como saúde, educação, transporte, para Guedes aparecem como oportunidade de mercado – por isso o mantra da privatização! Vamos privatizar tudo!
Sérgio Moro, o outro superministro, é uma ameaça à democracia. Nas oportunidades que tem, mostra seu pendão para o autoritarismo, com aquela elegância no uso do idioma que só perde mesmo para o ministro da educação. Por que a grande mídia ainda protege Sergio Moro? Difícil responder. Mas a verdade é que Moro é ainda mais a cara dessa gente que hoje está na rua, de verde e amarelo, pedindo AI-5, fechamento do Congresso e do STF e intervenção militar. Não podemos esquecer que as primeiras manifestações verde-amarelas eram lava-jatistas – e que não nos enganemos, continuam sendo ainda hoje. Exemplo disso é a hashtag #DesculpaJairMasEuVou que bombou no Twitter logo depois do pronunciamento de Bolsonaro, desconvocando as pessoas para a manifestação que ele nega ter convocado antes. Agora, ao compartilhar as imagens e vídeos de hoje, Bolsonaro mais uma vez busca surfar numa onda que é maior do que ele, sempre foi. Esse sentimento anticorrupção/anti-política/anti-congresso tem o DNA dos filhos da República de Curitiba (impossível não ver essa República de Curitiba como um embrião de uma República de Gilead).
Se o coronavírus nesse momento é uma ameaça real que exige ações urgentes do governo e autoridades públicas, o Brasil vem sofrendo há alguns anos de outra epidemia muito mais perigosa. O vírus que circula entre os camisa-verde-amarelo é difícil de ser caracterizado. Alguns têm chamado de bolsonarismo. Particularmente acredito que o bolsonarismo é apenas um agente de uma família de vírus mais abrangente. Essa família de vírus, cujos principais sintomas são o discurso salvacionista ao estilo dos pastores neopentecostais, o ódio, a mentira, o ressentimento e o revanchismo, tem feito um grande estrago no Brasil nos últimos anos. Essa família de vírus tem corroído nossa confiança nas instituições, tem desacreditado o trabalho da imprensa, dos cientistas, dos professores e intelectuais em geral, tem destruído laços de amizade e familiares, corroendo o tecido social e nos levando ao isolamento em bolhas.
O coronavírus é sério, e as pessoas que hoje estão nas ruas estão se expondo e expondo seus familiares de maneira irresponsável e egoísta porque já estão todas contaminadas pelo outro vírus – aquele que ora responde por bolsonarismo, mas que tem como agente principal o lava-jatismo. Se não encontrarmos estratégias para vencermos a epidemia por ele causada – de ódio e mentira -, continuaremos condenados, e o coronavírus ou qualquer outra coisa poderá nos liquidar rapidamente.
Francine Ribeiro é filósofa e professora no Instituto Federal campus Capivari.