Sobre o Leilão do Prédio da Escola de Música Maestro Ernst Mahle

Sobre o Leilão do Prédio da Escola de Música Maestro Ernst Mahle

O fim de instituições gera comoção. Sempre. Às vezes de apenas alguns – que tiveram sua vida ligada à experiência de integrá-la. Às vezes de muitos – que reconhecem e vivenciaram o efeito direto da atuação dessa entidade no cotidiano, na formação crítica, no amadurecimento cultural e educacional de toda uma sociedade. Também, em alguns casos, o fechamento de uma instituição gera profunda raiva – que acontece, às vezes, por essa instituição não ter pago o que era devido a seus colaboradores.

Ontem, com a cidade sendo informada que o leilão do prédio da Escola de Música Maestro Ernst Mahle foi autorizado para ocorrer no próximo dia 13, pairou em Piracicaba uma sensação de perda. Mas uma perda que se mistura com a indignação porque esse desfecho foi causado não por aqueles que realmente fizeram e detinham uma história de mais de 70 anos, mas por terceiros a quem, um dia, o casal Mahle acreditou poder confiar a escola que construíram e fizeram funcionar, a cada dia, sempre com a mesma competência e convicção quanto à educação musical e a formação cultural da cidade. Num universo maior, bem além das fronteiras piracicabanas, músicos e artistas se perguntaram que cidade é essa que deixa morrer ao invés de aplaudir e preservar o legado de Ernst Mahle.

Não havia quase mais ninguém criticando a UNIMEP, reclamando dos valores não pagos, lembrando de acordos não cumpridos, questionando quem são os responsáveis pela dívida bilionária das escolas metodistas. Era quase como se não houvesse mais qualquer importância do grupo metodista, a ponto dele ser mencionado. Porque com a ignorância e falta de respeito nem dá pra conversar e nem vale a pena agredir.

Importante neste momento, penso eu, seria se pensar, se escrever, mandar flores, estar próximo de Cidinha Mahle. Cantar com ela, pedir que ela apenas fique ao seu piano e a gente ouvindo. Aquilo que a música possa contar, aquilo que suas mãos já afetadas pela idade possam ainda interpretar das claves de sol e de fá. Não para consolá-la – até porque fica difícil saber como ela estará reagindo a uma notícia de ver sua casa sendo leiloada, e que ela vem carregando em compasso de espera há dois anos – mas para dizer muito obrigada pelo que ela transmitiu com sua força, sua objetividade, sua administração da Escola de Música. Para muitos, uma pessoa difícil no convívio. Para outros, mais próximos da família, a constatação inevitável que Ernst Mahle pode compor, se dedicar integralmente à arte, porque ela tomou as rédeas do prático, do burocrático, do exigido no cotidiano de uma escola. Embora ela também desse prioridade ao ensino, ao canto, ao piano, a todas as variáveis da música como instrumento para fazer a vida mais real e sensível.

Quando se destrói uma instituição, destroem-se também os esforços, a dedicação, o trabalho acumulado por anos para que ela se firmasse e fosse reconhecida. O que envolve reconhecer pessoas, admitir que sem elas nada daquilo teria acontecido daquela maneira. Envolve-se esperanças, projetos que nem sempre foram fáceis, exigências nem sempre compreendidas, fracassos que também existiram. Envolve-se lideranças qualificadas e ímpares. Envolve gratidão e respeito – dois sentimentos há muito ausentes da gestão metodista. Que não merece mesmo gerir instituição alguma, especialmente de educação ou voltada à arte. As manifestações de ontem, vindas dos mais variados cantos, certamente dizem isso também.

 


Beatriz Vicentini é jornalista.

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