Sobre Livros e Sonhos

Sobre Livros e Sonhos

“Tropeçavas nos astros desastrada/Quase não tínhamos livros em casa/E a cidade não tinha livraria”– mas as vontades de ler resistiam. E porque elas resistiam – resistiam as vontades de servir o gosto pela leitura, resistia e resiste na única biblioteca pública (quantas escolas têm uma biblioteca?), nos sebos, nos clubes de leitura que seguem e nascem, nos projetos que nascem também e precisam de apoio.

Não sei se a denominação “clube de leitura” é consenso, permitam-me as curadorias a liberdade. Foi o que pensei quando fui ao SESC, no que penso quando vou à Biblioteca Pública Municipal nos encontros da “Sublimação: Arte e Psicanálise”(curadoria da Patrícia Olandini e do Pedro Choairy). Quando vou ao Café com Prosa, no Natural Music Studio(com curadoria do Fábio Pucineli). Ao Espaço Arte Om, Clube de Literatura Pulsar (que teve curadoria da Josiane de Souza). À “Maria Marvada”, ouvir e degustar os “Poemas para Beber” (com curadoria do Alexandre Bragion).Torço para que haja outros.

E na imensidão dessa vontade de ler, me comove a história do gari Luciano Ferreira de Lima que, por conhecer que os “livros são objetos transcendentes/mas podemos amá-los do amor táctil”, criou um projeto literário a partir de livros recolhidos dos lixos – para incentivar a leitura. Disse ele: “eu comecei a doar livros porque, assim como eles foram benéficos para mim, quero que outras pessoas tenham a mesma oportunidade (…)” (Jornal Nota 3/6/2025). E ao reler a matéria, me emociono ao tentar imaginá-lo na dureza da vida, e ao dar com o enjeitado guardá-lo com zelo e esperar até que finde a lida do dia, até que possa amá-lo do amor táctil, e então doá-lo.

E a emoção quando li o artigo da Lilian Lacerda “Alunos visitam pela primeira vez a Biblioteca Municipal”(publicado no jornal A Tribuna Piracicabana, dia 5 último). Eram crianças de 4 anos, do Jardim I da Escola Dona Mimi – um trecho: “foi uma tarde de espanto diante das estantes altas, cochichos entre prateleiras, mãos miúdas folheando clássicos da literatura infantil e olhos arregalados diante de uma diversidade de objetos nunca vistos pelos pequenos: livros de todas as espécies de tamanhos, máquina de escrever (..)”. E tento imaginar a cena de mãos miúdas folheando os livros com um amor táctil, que não sei se a infância do Luciano conheceu.

E é por todas essas vontades de ler que a aprovação pela Câmara Municipal do Projeto de Lei 68/2025, de autoria da vereadora Rai de Almeida, me comove também. Agradeço pelos votos favoráveis. Me comove por criar um caminho para que os livros cheguem a mãos miúdas e a calejadas, que ninguém deve ser privado desse amor táctil. O Projeto institui o Programa “Doador de Sonhos” que busca “promover o acesso à leitura infantil por meio da inclusão de livros nas cestas básicas distribuídas por programas sociais do município”, e entre suas diretrizes estão “a promoção de campanhas de doação de livros, o fomento do hábito da leitura desde a infância e o estabelecimento de parcerias com editoras, escolas, bibliotecas, empresas e a sociedade civil” ( como publicado no Jornal de Piracicaba em 4/6).

Empresas, sociedade civil – nos miremos no exemplo do gari Luciano e doemos livros, ou sonhos, como queiramos chamar. E, Caetano, acaba de abrir uma filial da Livraria Leitura na cidade. Vai que, Caetano, vai que…. Ah, e obrigado pelos versos.

 


Sergio Oliveira Moraes, físico, docente aposentado da ESALQ /USP.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *