Por vezes, fico pensando muito em João Chiarini – cujo acervo pude conhecer e manusear pessoalmente assim que entregue à UNIMEP e antes que passasse pelo processamento dos especialistas e daqueles que o organizariam para depositá-lo no Centro Cultural Martha Watts. Explico: a diversidade de seu acervo me despertou a curiosidade de como terá montado e gerenciado uma livraria na cidade nos anos 60 – a “O Pilão” – que se tornou durante algum tempo o ponto de encontro dos intelectuais locais. Mas como questões de finanças nunca foram seu forte, a livraria fechou muito rapidamente.
É uma história que gostaria de conhecer melhor, mas da qual há poucos registros. Talvez ajudassem a entender como a cidade foi andando, nas décadas seguintes, na questão de ter – ou não – outras livrarias. Para chegarmos aos dias atuais, onde parece absurdo que a cidade conte apenas com a Livraria Nobel, no shopping, para se falar em espaços com disponibilização de acervo atualizado e amplo – e que enfrenta como principais concorrentes (acreditem, é verdade) os vários sebos que foram surgindo e se fortalecendo, certamente se aproveitando desse vazio cultural.
Tudo isso me vem à mente depois da divulgação da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, ocorrido dias atrás, e já esmiuçado por analistas, que têm partido da difícil constatação de que o país perdeu 6,7 milhões de leitores de 2019 até hoje e o desinteresse pela leitura cresceu em praticamente todas as faixas etárias. Além do que 29% do total dos brasileiros dizem que não gostam mesmo de ler. Mas fica ainda pior: pela primeira vez, a pesquisa, que vem sendo feita há 18 anos, constatou que o país possui mais não-leitores do que leitores, que representam agora 53% da população.
Com certeza os motivos são vários – educação, custo do livro, acesso à leitura, tempo livre, novas tecnologias – mas me chamou especialmente atenção o fato que, das 5.504 pessoas ouvidas em 208 municípios, 18% disseram que leem muito devagar, 14% que não têm concentração suficiente para ler e 8% afirmaram não compreender a maior parte do que lê. Pode haver algo que explique melhor porque alguns não gostam de ler e não leem mesmo? O Indicador de Analfabetismo Funcional, cujo último levantamento é de 2018, garante que o Brasil tem cerca de 30% de analfabetos funcionais, entre analfabetos plenos e em nível rudimentar.
Mas volto a Piracicaba que, como muitos munícipios no país, mesmo os de porte médio, não possuem mais livrarias ou, quando as têm, transformaram-se muito mais em papelarias do que em espaços culturais. O Brasil tinha, em 2023, 2.972 livrarias segundo o Anuário das Livrarias. Mas há que se fazer uma ressalva para melhor entender esse número: 321 são evangélicas, 290 são católicas e 36 são espíritas, portanto, trabalhando com oferecimento de uma literatura apenas religiosa e voltada à sua fé. Ou seja, quase 22% do total de livrarias abertas.
Tento me consolar olhando esse quadro e sentindo falta dos tempos – e isso já vem de anos atrás, pela pobreza de opções de Piracicaba – quando estar em São Paulo necessariamente envolvia um giro por várias livrarias, pelo simples prazer de voltar a elas e sentir aquele clima de leitura, de lançamentos, de gente interessada em tudo aquilo. Espaços onde se descobria sempre algo diferente, um presente que valia a pena dar, uma provocação à própria limitação intelectual. Hoje, fico muito mais nas compras pela internet, com preços mais baixos para a maioria dos livros, a fácil localização mesmo que de edições antigas, e entregas cada vez mais rápidas.
Penso ser preciso se deixar arrepiar quando os números oficiais indicam que em todo o estado do Acre há 7 livrarias; no Amapá, 4; em Tocantins, 10; no Maranhão, 21, apenas para citar alguns exemplos. Vivemos numa bolha– e nesta perspectiva que bom que Piracicaba ainda tem ao menos uma livraria que assim possa ser chamada. O Estado de São Paulo possuía, um ano atrás, 1.167 livrarias abertas, ou 39% de todas as livrarias do país. Minas Gerais vinha em segundo lugar com 353 e Rio de Janeiro com 252.
Para fechar o quadro é preciso lembrar que segundo o censo de 2022, em toda a rede de ensino público, só 31% das escolas contam com bibliotecas, o que significa, na prática, que mais de 18 milhões de alunos da rede pública de ensino estudam em escolas que não têm biblioteca, ou cerca de 52% dos estudantes matriculados em escolas de nível infantil, fundamental e médio em 2022.
O que fazer – e rapidamente – para que as pessoas voltem a se interessar pela leitura?
Para quem quiser se aprofundar no assunto:
Beatriz Vicentini é jornalista.