Sob o Signo do Pobrezinho de Assis – A Passagem do Papa Francisco

Sob o Signo do Pobrezinho de Assis – A Passagem do Papa Francisco

Tem mesmo algo de profundo e também de muito simbólico o fato da passagem do Papa Francisco ter lugar no espírito ainda da celebração litúrgica da Páscoa. É quase que inevitável não associar a morte do Papa com o evento teológico da ressurreição de Jesus. O profundo pesar e a tristeza que advêm da morte de Papa Francisco são logo transmutadas em esperança: a fé cristã que aponta à vida que suplanta as situações de morte. De qualquer maneira, a passagem de Papa Francisco não deixa de suscitar a sensação de orfandade e desamparo, particularmente diante de um contexto mundial, a partir do Norte, tão delineado por visões marcadamente anticristãs.

Conheci o Papa Francisco no meio da multidão, na Jornada Mundial da Juventude, que teve lugar na cidade do Rio de Janeiro, em julho de 2013. Na ocasião eu estava lançando o livro “Um Caminho Espiritual para Jovens”, que havia escrito em co-autoria com o Padre Antônio Ramos do Prado, publicado pela editora Loyola. O Cardeal Jorge Mario Bergoglio estava recém sagrado Papa. Representativo que a primeira viagem apostólica como Sumo Pontífice marcava seu retorno à América Latina, justamente no Brasil, território fecundo da Teologia da Libertação, para um diálogo e encontro com a juventude.

O papa da ecologia e da justiça social! Interessante perceber e ressaltar que o Pontificado do Papa Francisco fez justiça ao seu nome de missão. Sob o signo e inspiração de São Francisco de Assis, Papa Francisco se fez irmão menor dos pobres, dos excluídos e da própria natureza, retomando, como missão apostólica de vida, os princípios éticos presentes no belíssimo e medieval Cântico das Criaturas, composto e entoado pelo próprio pobrezinho de Assis. Os temas da pobreza, da misericórdia, da justiça social e ambiental e da profunda fraternidade entre humanidade e natureza se fizeram constantes ao longo dos 12 anos do pontificado do Papa Francisco.

A concepção teológica acerca da ecologia integral, como uma dimensão fundamental da espiritualidade cristã católica, aparece como um aspecto forte da visão do Pontificado de Papa Francisco. Na Carta Encíclica Laudato Sí – e depois na Exortação Apostólica Laudate Deum – Papa Francisco aborda a temática da profunda comunhão e fraternidade que existe entre a vida humana, a natureza, o planeta terra e a Transcendência de Deus. Para o Sumo Pontífice esta compreensão complexa da criação, já presente em São Francisco de Assis, é a chave hermenêutica para se enfrentar e superar as graves sequelas provocadas pelas mudanças climáticas. Já na Encíclica Fratelli Tutti, Papa Francisco ressaltou o papel da fraternidade como um princípio universal e a amizade social como referência ética para as relações em sociedade, transformando, radicalmente, a maneira se pensar e fazer política

Em um contexto político tão adverso, particularmente com a ascensão do neofascismo propagado pelo extremismo de direita, a passagem do Papa Francisco abre uma lacuna de referência ética e teológica para o mundo. Mesmo no plano interno da Igreja Católica, com o fortalecimento do conservadorismo próprio de um catolicismo carismático e neopentecostal, a ausência da voz coerente e profética de Papa Francisco representará um vazio perigoso para além das disputas internas do catolicismo.

Orbi et Orbe! Com a morte do Papa Francisco a Igreja Católica – e também o mundo – se prepara para um novo Conclave. Os Cardeais, os príncipes da Igreja, já se dirigem para Roma, para os rituais fúnebres e também para a escolha de um novo Papa. O Cristianismo Católico encontra-se diante de uma encruzilhada: continuar o processo de retorno às fontes, na fidelidade mais genuína ao Movimento de Jesus ou se agarrar a um conservadorismo estéreo, que não guarda nenhuma relação com a mensagem de vida e liberdade dos Evangelhos. A questão é saber se os 12 anos de Pontificado foram suficientes para o Papa Francisco construir as bases de uma sucessão apostólica comprometida com as radicais mudanças que o povo de Deus espera, sempre em fidelidade criativa com o legado do Movimento de Jesus. Oxalá o Conclave, sob a divina inspiração, aponte um sucessor Petrino que, assim como Francisco que se vai, seja portador da mais profunda esperança, propondo a fraternidade, em um mundo solidário, com uma humanidade que se reconheça em plena comunhão com a natureza.

 


Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.

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