Da estatura dos Paulos, Freire e Cardeal Arns! A linda e intensa trajetória existencial do Mestre J. J. Queiroz o projeta na linha dos grandes nomes do pensamento libertário no Brasil e quiçá na América Latina. Amigo íntimo das letras, do conhecimento mais profundo – refinado e sútil – e portador de uma sabedoria que sempre se revelava fonte fecunda e inesgotável, Queiroz literalmente passou fazendo o bem, em uma vida de gentileza, amabilidade, bom humor e plena em generosidade.
Não tenho dúvida do quanto a presença do ilustríssimo Queiroz foi impactante e definitiva para minha formação! Tive o privilégio de caminhar por algum tempo sob as orientações do Mestre Queiroz. Na filosofia, lá no antigo bairro Pari, em São Paulo, nas salas de aula da Universidade São Francisco, dos Frades Franciscanos Menores, as aulas de Ética e Metafísica, ministradas pelo Professor Queiroz, eram simplesmente um despertar para o mundo do conhecimento e para o compromisso mais estreito com a causa da justiça. Depois, no contexto das pesquisas de mestrado, no Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências da Religião, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tive então a honra de ser orientado pelo Queiroz, o professor mais eminente daquele departamento.
Um genuíno Intelectual, profundo, brilhante e engajado! Queiroz traz as marcas de uma vida devotada à busca pela verdade, no mais autêntico compromisso com a construção de uma sociedade justa e solidária.Com sua voz potente – mesmo que serena –, coerente, sempre lúcida e muito respeitada nos diversosespaços que atuou, Professor Queiroz pertenceu ao campo daqueles raros intelectuais militantes, sempre disposto e pronto a defender e lutar contra todas as formas de opressão e exploração. Seus posicionamentos eram por si só orientações para não se errar na escolha ética. Diante de algum dilema ético-político, para não cometer equívocos, bastava, como bom discípulo, estar atento ao lado assumido pelo Mestre Queiroz.
No contexto das tantas dificuldades enfrentadas quando deixei a vida religiosa na Congregação do Divino Salvador, o professor Queiroz foi uma referência preciosa e um ponto fundamental de apoio. Em um cenário de muitos abandonos e portas que se fechavam, encontrei no Mestre Queiroz um autêntico amigo, no sentido mais genuíno e estoico do termo, capaz de amparar, acolher e orientar, sem esperar absolutamente nada em troca. Na ocasião, passei a participar ativamente, com a Professora Maria Luiza Guedes, do grupo de Pesquisa Pós-Modernidade e Religião, espaço que me possibilitou conviver mais intensamente com o Mestre Queiroz, inclusive em interessantes viagens, visando a participação em simpósios, congressos e outras atividades acadêmicas. Período de intensa convivência e profundos aprendizados para mim.
O emblema dos direitos humanos e a Teologia da Libertação! Na dinâmica da construção da Teologia da Libertação, Professor Queiroz foi um intelectual ativo, que dialogava com os expoentes da vanguarda do pensamento filosófico e teológico brasileiro e também latino-americano. Recordo-me de Professor Queiroz fazendo memória de sua atuação nas comunidades periféricas de São Paulo, em pleno ambiente da ditadura empresarial-militar. Com a bíblia e a CLT em mãos, em uma síntese perfeita do sentido da Teologia da Libertação, o Mestre Queiroz, imbuído de uma perspectiva pedagógica e emancipadora, atuava para a formação do povo de Deus para a cidadania política, com a coragem de quem ousava se levantar contra o sistema, cultivando e semeando a utopia.
Generosidade, sensibilidade, hospitalidade e cordialidade são marcas também de uma intelectualidade sempre ativa! Memorável e inesquecível foi aquela viagem à Dourados, para participar de Congresso na Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul. Decidimos ir de carro, tendo a companhia de Ana e também de Maria Teresa. Além da viva e profunda conversa ao longo do trajeto, paramos para dormir em Salto Grande, cidade natal do Professor Queiroz. Pude ali conhecer um pouco das questões mais cotidianas e das relações travadas por Queiroz, sempre sob o signo da afabilidade e do puro afeto.
Professor Queiroz desempenhou um papel fundamental tanto na construção da Teologia da Libertação, no diálogo mais intenso com os mais eminentes teólogos, quanto na própria prática pastoral, dando o tom para um novo jeito de ser Igreja, na opção preferencial pelos pobres. Quando o teólogo Leonardo Boff recebeu a punição do silêncio obsequioso, em 1985, no contexto do Pontificado de João Paulo II, foi justamente o Mestre Queiroz quem foi escolhido como o porta-voz, representando a Igreja de São Paulo, sob a liderança de Dom Paulo Evaristo Arns, para apresentar e protocolar, diante da Cúria Romana, no Vaticano, em Roma, o documento em defesa do teólogo brasileiro.
A passagem do Professor J. J. Queiroz não deixa de suscitar um sentimento de vazio e perda irreparáveis. Mas seu imenso legado traz alento e também a mais profunda esperança. A obra do Professor Queiroz, sob o signo de São Tomás de Aquilo, o doutor Angélico, contempla contribuições substantivas para se compreender os desdobramentos históricos tanto no campo da filosofia quanto na própria construção da Teologia da Libertação. A biblioteca pessoal do Mestre Queiroz, localizada no segundo andar de sua residência, guarda tesouros preciosíssimos da trajetória de um intelectual potente, que interpretou como ninguém os sinais de contradição de seu tempo histórico, dando a direção para a aurora, a utopia de um novo tempo, comprometido com a justiça, com os direitos humanos e com a liberdade.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba.
Adelino, estimado! Você elabora um elogio ao amigo e mestre. Neste elogio a memória viva e agradecida é decisiva, pois estabelece as múltiplas relações do Mestre J. J. Queiroz, com a tradição – Tomás de Aquino -, com o pensamento emergente da Teologia da Libertação na América Latina Caribenha desde as maiorias oprimidas, com as coisas do mundo da vida – Lebenswelt -, do mundo vivido e, fundamentalmente, com as pessoas enquanto valor-fonte.Um belo e nobre gesto de reconhecimento! Parabéns!