Silvio Santos não vem mais aí

Silvio Santos não vem mais aí

Peça para um adolescente, hoje, assistir a um dos programas icônicos – sempre repetindo a mesma fórmula e os mesmos quadros e os mesmos bordões – de Silvio Santos e ele será incapaz de entender o que foi que os brasileiros viram naquela figura de sorriso aparentemente falso a ponto de estar sendo lembrado, na sua morte, como a mais significativa personagem da tevê brasileira. Com certeza, se negará a olhá-lo por mais de alguns minutos.

Silvio Santos talvez seja a expressão mais simples de se entender em relação às mudanças do tempo. De se compreender o comportamento validado e fortalecido pela tevê, décadas atrás, como meio influenciador de hábitos, de ilusões, de manipulação de um percentual de população que, dificilmente, um outro apresentador conseguiria, domingo após domingo, sem qualquer atrativo que não a si mesmo. Durante horas – contra todos os hábitos atuais de ninguém fixar atenção por mais do que alguns minutos numa única programação ou série. Com um público fiel – que nem queria variar mesmo que surgissem outros programas novos. Que ria das mesmas falas, que se sentia próximo daquela figura que vencera na vida, que se orgulhava do que era, que se ria de quem vacilava, por vezes até de forma grosseira.

Nos últimos anos, sua família deveria tê-lo limitado a aparições mais rápidas, corriqueiras e com mais controle do que apresentava, como se portava, o que dizia. A idade começou a cobrar seu preço e os comentários de Silvio Santos começaram a incomodar – fosse pelas novas referências já adotadas socialmente relativas a preconceito, a assédio, a falta de respeito às mulheres, de exposição indevida de menores, que chegou inclusive a gerar um inquérito aberto pelo Ministério Público.

O mesmo se pode dizer com relação a sua atabalhoada tentativa de envolver-se na política – que resultou em nada – numa candidatura a presidente da república em 1989, barrada nos tribunais. Suas afinidades com o bolsonarismo sempre foram muito óbvias – um de seus genros chegou a ser ministro de Bolsonaro. E, afinal, é sempre bom lembrar que a concessão de seu canal de tevê, o SBT – que lhe abriu todos os espaços de poder e influência a partir de então – foi concedido durante o governo militar de João Figueiredo, fato que Silvio inclusive admitiu publicamente. Anteriormente, durante o governo Médici, o empresário se tornara dono de uma área superior a 70 mil hectares em Barra do Garças, MT, zona onde houve das maiores repressões a indígenas e posseiros – atingindo também religiosos da Igreja Católica – no período.

Quem tem avós idosos deveria conversar um pouco perguntando porque assistiam, domingo após domingo, o Programa Silvio Santos. Do que se lembram, porque nunca desligavam a tevê, mesmo que houvesse visitas. E o que pensavam de Silvio Santos. Pode se transformar numa lição de história e sociologia.

Como sempre, necrológios estarão por aí apenas falando de qualidades. Nem tanto, nem tanto. No registro da memória, não serão necessárias muitas gerações a mais para que seja esquecido e sua importância desconhecida. O mundo da comunicação é assim mesmo.

 


Beatriz Vicentini é jornalista. 

 

 

 

(foto: Lourival Ribeiro/SBT)

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