Sigam o dinheiro! O contrato de trabalho

Sigam o dinheiro! O contrato de trabalho

Na filmografia norte-americana de filmes policiais ganhou destaque a ideia de que quando se trata de buscar o suspeito pela prática de algum crime, deve-se começar perquirindo antes quem ficou com o dinheiro. Ou seja: quem lucrou com a atividade delituosa?

Obviamente que a atividade empresarial não é considerada delituosa ou – pelo menos – quase sempre não será. Mas diria, depois de muitos anos ruminando a teoria do contrato de trabalho, que o caminho mais fácil para encontrar o patrão é se perguntando com quem ficou a grana.

Pois que empregado é exatamente aquele que produziu trabalhando pessoalmente, e de forma não eventual, com intenção de receber contra-paga (não o trabalho voluntário, portanto), mas não ficou com o resultado de seus esforços. O empregado não chega ao fim da jornada de trabalho e diz: “bem, produzi este carro hoje com meu trabalho e vou levá-lo para casa”. Não! Nada disso. Qualquer que seja o trabalho, mesmo na prestação de serviços, o resultado ficará com o patrão, que somente daqui um tempo, um mês, quinzena, semana, irá pagar, não pelo valor real do carro ou da prestação de serviços, mas apenas dará algumas moedas em troca do desforço de seu empregado.(aqui, a mais valia, mas esta é outra questão).

Daí que a justiça de alguns estados norte-americanos e a justiça inglesa pontificaram que a plataforma “Uber” era patroa dos motoristas de aplicativos. Ao meu ver, com toda razão. Perceberam que de nada adianta querer esconder a face do patrão por detrás de um “site”. Pois quando o motorista do aplicativo, ou o entregador de pizza, conclui a sua tarefa o pagamento já foi feito. Mas para quem? Esta é a pergunta que não quer calar.

Ora, quem se apropriou do dinheiro – e portanto do fruto do trabalho desenvolvido – foi uma plataforma que pertence sim ao Sr. Fulano ou Sr.Siclano, pessoas físicas que se enriquecem à custa do lavor do motorista, motociclista ou ciclista. E, pior ainda, se no dia combinado para o pagamento do salário, ou seja, a contraprestação pelo trabalho dos empregados, o patrão disser que houve um golpe de estado no Sri Lanka – ou que deu dor de barriga ou ainda tem que dar banho em seu peixe – e por tais razões vai atrasar o pagamento, o empregado ficará a “chupar o dedo” e terá de buscar a Justiça para tentar haver o pagamento combinado. O empregado e sua família vão passar fome, necessidades. Aliás, aí está a “dependência econômica” do Artigo 2º da CLT.

E eis aí, portanto, o suspeito, digo, o patrão!

Para você que é estudante do direito ou se interessa por tais temas jurídico-sociais, diria ainda que, excetuando a condição do empregado ter de ser pessoa física, (ressalvadas as fraudes da “pejotização”) e trabalhar de forma contínua (não-eventual) e com intenção de receber contra-paga, pode esquecer a perfumaria jurídica engendrada pela doutrina e jurisprudência no sentido de que empregado é aquele que segue ordens. Empregado é aquele sujeito à jornada de trabalho com controle de ponto, empregado é aquele que labora no recinto da empresa etc. Tudo interessante para como figuras coadjuvantes (e, portanto, menores) também colaborar decorando o mosaico jurídico-contratual trabalhista. Porém,  tudo acessório.

Siga o dinheiro derivado do lavor humano e achará o empregador, o empregado e o contrato de trabalho. Ou, contrariamente, quando o próprio trabalhador se apoderar diretamente, sem intermediários, do resultado de seu trabalho, achará um verdadeiro liberal ou autônomo.

Em tempo: tudo isso, lógico, abstraídos aqui  alguns ministros do próprio Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal,  e os neoliberais, que possuem concepções excêntricas e medievais sobre o tema (com todo respeito).

 


Alexandre A. Gualazzi é advogado. 

One thought on “Sigam o dinheiro! O contrato de trabalho

  1. Nos tempos”antigos” , quando os filmes de suspense eram os franceses, se dizia: cherchez la femme.
    Hoje valem mais as armas, a violência e para achar quem lucra: cherchez l ‘argent

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