Shabat

Shabat

Mais. Muito mais do que o calendário suspenso atrás da porta do armário, é o tempo em mim –ansioso e ansiado – quem me diz que amanhã é sábado. E porque amanhã é sábado – e sábado de carnaval sob um imenso sol que arde – uma melancolia fenomenal me invade. Então, suo. Então, soo. E escuto. Escuto no ar uma canção de um tempo há pouco acabado – “manhã tão bonita manhã” – e canto, porque amanhã é sábado. Ardo em ais de tristeza. Pobre de mim, assim, descarnavalizado. Porque minha casa da Governador de portas abertas não há mais. Porque não há mais meu pai, minha mãe,minha irmã, meus cachorros, tantos amores e sonhos. Porque morreram no agora todos, mas todos seguem comigo porque amanhã – meus amigos – (felizmente) é sábado.

Ah, meu verbo triste que se dá porque quero-me discípulo de Vinícius. Porque flerto com ele entre textos, e bebo com ele e o parafraseio e o parodio no meu cantar sem pretextos feito o pó sobre um velho altar vazio. Insisto. Ai, Vinícius! Amanhã é sábado. E porque amanhã é sábado eu desabito o mal, às gavetas recolho o real e me ponho a viver a falsa surpresa de uma alegria – falsa porque imaginária. E finjo. Finjo que nela creio. Finjo que nela vivo. E rodo com ela. E subo com ela. E a amo como se o amor não fosse um sentimento, mas um estado. Porque, é claro, eu sei em mim que a qualquer custo –por mais que dele não gostem os sacripantas conservadores do mal– amanhã é sábado. E sábado de carnaval.

E porque amanhã é sábado, hoje tudo parece possível. Faz-se crível haver um deus – porque a ele crio.E se a ele crio, o quero fora do templo (profano) no meu adro. Porque, ó deus dos desesperados, amanhã (a mente, divina mente, sabe) é sábado. Amanhã é sábado e os encontros florescem como jamais se viu – à exceção dos sábados passados. Há purpurinas em espera nos pacotes das crianças– porque amanhã é sábado. Há serpentinas em potes de quimeras, porque amanhã é sábado. Há ainda a ansiedade que diz a mim: coitado, quem dera ao menos para ele já fosse hoje sábado.

Porque se o sábado é canção, com ele não podem os ditadores. Porque se o sábado é poesia, o que pode contra ele a gestão de uma política fria em desamores. Senhores, por favor! Porque, se além de sábado é carnaval, aguardemos pacientemente cada uma das horas de nossos futuros louvores. Porque enquanto amanhã não chega, sobrevive a esperança, filha dos minutos e das dores. Porque enquanto há a espera da manhã de sábado de carnaval, pouco sobre nós podem os donos do capital. Porque ainda que logo chegue e logo passe o amanhã, amanhã é sábado – e nele ou depois dele outra manhã renasce.

 


Alexandre Bragion é doutor em teoria e história literária. Editor de “O Diário do Engenho” e autor do livro de poemas “Casa Burguesa sem Chave”.

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