Amor. Te espero, como sempre, no centro. Mas não tenhas pressa. Que o centro faz transbordar em mim o sentimento bom que ainda me resta – porque o pouco que tenho em estoque, lamento, muito não presta. Então, se acalme. Se encha de alma, se alme. Que não há mal algum em não ser pontual, mesmo diante do relógio da Catedral – onde o tempo, de corpo esguio, parece que nem passa.
Da Praça – que é Bonifácio, José – escapo fácil pela Moraes a procura lenta de ti, e dela vago em sua espera amorosa pelas ruas que do centro são as minhas artérias centrais. Daí, desenho meu olhar nas pessoas que o movimento escoa pelas calçadas laterais. E são tantas. E são tantos. São olhos de dor na Governador. Comércio. Mercado. Igreja de metodista tradição. Desilusão. E vou passando pelas pessoas e as pessoas vão passando por mim como se fossem peças numa esteira de uma linha de produção da qual não se vê o fim.
Assim, demores, amor. Demores que me devoras, me fazendo andar pela cidade sentindo que ando dentro de mim. Te espero. E quero. Quero os cheiros de suas tendas, de suas lojas. E vejo. Vejo as gentes com sacolas, caixas, esmolas, pedidos, homens de olhares perdidos, mulheres em aflição. Uma criança que corre entre os carros. Um grito. Freada. Orelhas em puxão. Motos fazendo corredores. Tristezas. Alegrias. Ouro. Penhores. Demores que me devoras, amor, ao centro – enquanto aspiro respirar teu cheiro cheio do meu sentimento.
Nem penses em me esperar num café – porque cafés europeus centrais não há. Não há também lirismo sem crueza ou romantismo sem pieguice aqui. Porque no centro, amor, onde te espero e és, a lusitana vã cobiça – sob o sol – se transforma em implícita preguiça. Ai… Atravessar as ruas. “Corre menino, vai para sombra das marquises! ” Da esquina do Mercado, meu adro, te espreito ao longe – e sem sorte – vendo se vens pela Boa Morte. Depois, à esquerda, espero que surjas a mim subindo pela segunda Dom Pedro, saindo da Benjamim. Onde não estás, por fim?
Melhor vires à tarde, querida, após as quatro – que o centro é mais ameno e por ele se anda em passo ainda mais lento somente após as quatro horas. Aí, uma sombra gris se faz quase sempre nuvem a acobertar a vida – e aquela angústia das horas do dia já em despedida dá ao centro uma poética feita de nostalgia. Olho o relógio. Será de fato que o tempo não passa? Há décadas as pessoas parecem ser as mesmas. Ou apenas eu, o ausente, o diferente, envelheci.
Hoje é sexta. Amanhã é sábado. Depois é solidão. Demores, amor, que te espero no centro. Poema de carne e gente que bate meu coração.
Alexandre Bragion é doutor em Teoria e História Literária. Autor do livro “Casa Burguesa sem Chave” e editor do Diário do Engenho.