Se uma árvore cai na floresta,
e não há ninguém para ouvir o ruído da queda,
aquele enorme trambolhão, houve som?
Se à realidade que aí está,
não há ninguém para pensá-la,
ninguém reflete, ninguém pasma,
o que existe, senão nada?
O universo só tem uma história,
porque a viu o homem,
e sua existência só é real
na medida em que essa realidade
lhe é atribuída pela mente
que a consome.
O maior acontecimento cósmico não passa
de um patético pum,
se não é o homem a contemplá-lo,
a medi-lo segundo sua própria altura,
a descrevê-lo conforme seus próprios sentidos,
com seus instrumentos precisos,
com seus métodos esquisitos,
e outros que invente, desenvolva ou descubra.
Sem o homem, não há zero, infinito ou vazio,
não há círculo, quadrado, trapézio,
não há tempo, nem espaço,
sem o homem, não há chocolate, cerveja,
presunto de Parma, filme de Carlitos,
não há samba, não há cor, luar do sertão
– nem amor.
Por isso o ser humano não morrerá,
nem há de algum dia desaparecer,
ainda que reste não mais do que um, ou dois,
ainda que só fiquem eu e você.
Nada existe sem o seu testemunho, dele,
que é os sentidos de Deus na criação,
e o próprio Deus é inútil,
com tudo o que fez,
sem o homem para vê-lo, aplaudi-lo, entendê-lo, e,
no limite, adorá-lo.
Somente o homem justifica o mundo,
ainda que não o queiram
os que o desprezam e odeiam
(aos humanos, esses mesmos que a si próprios menosprezam),
ainda que não o queiram
os que fingem desejar que se acabe,
os que, por não saber lidar com a adversidade,
imaginam um universo feliz sem humanos,
esquecendo-se de que, sem eles,
não existe sequer felicidade,
e que a natureza, entregue a si mesma,
se torna não mais que um mecanismo
de plantas, pedras e carnes.
Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.