Vem ver o campo, Juvenal! Vem ver! Onde estão todos? Onde estão todos os que dantes sarapintavam no meu quintal? Quede Mário? Quede Rosa? Quede Nhô Lau? Quede luzes da cidade ofuscando a escuridão de pirilampo da noite no roçal? Tristeza. No agora da concretude da urbe tão desejada, não há mais alegrias imaginadas correndo pelas campinas, não há mais lições naturais e humanas debaixo de árvores frondosas de sabedoria, não há mais a vida simples a exigir do amor devoto o seu quase-nada todo-dia.
O telhado distante não é o da escola rural, entre bois e vacas. As frutas sobre a mesa perderam a segurança das mãos ágeis do rurícula. Será que é possível? Será que é? Vem, Juvenal! Vem ver o que fizeram com seu campo sem igual. Vem ouvir as histórias da vida cabocla que nasciam na boca e na pena do mestre de “Campo e Cidade.” Quede Juvenal? Quede menino Mário? Quede causos de verdade? Quede, nas estantes, os livros de Thales Castanho de Andrade?
Houve tempo certo em que todo o leitor desperto, da mais tenra idade, lia até arder os olhos os livros do mestre Andrade. “A Filha da Floresta” (de 1918), “Saudade” (de 1919), “Campo e Cidade” (de 1956) entre tantos e outros dos mais de 48! Houve tempo? Houve décadas! E as escolas públicas estado de São Paulo afora recebiam sem demora coleções inteiras de textos sagrados e certeiros: obras do pioneiro e grande pedagogo rural.
Escritor a se fazer sozinho – sem escola de Letras ou professor de ficção pelo caminho –, Thales antecedeu ao gigante Lobato, que ao escrever “Reinações de Narizinho” (em 1921), dedicara a ele o volume primeiro de seu livrinho, escrevendo em caneta e próprio punho, na contracapa: “A piracicabano Thales Castanho de Andrade, padrinho de narizinho.” Ei, Mário? Cadê você? Onde está sua brincadeira de vem-me-ver? Onde estão os livros do seu criador? Corre, Mário! Por favor! Corre que é tempo de te reler a todo vapor!
Sua “Filha da Floresta” faz agora cem anos – mas sobre ela pairam ainda poucos suspiros e alguns enganos. Pioneira da ecologia, sua obra centenária abriu rota primeira na literatura infantil brasileira. Ante os males da civilização obcecada pelo cimento e pela cal, seu sítio (Congonhal) tão bem descreveu – em sua obra máxima, “Saudade” (evangelho de um tempo mítico feito de ficção) – o amor e a verdade pela vida sem bajulação.
Os encantos e as flores, que tanto cantam nosso hino, têm de herança o destino de seus personagens, ó Thales: meninos e meninas criados na roça do grande Brasil campesino. Desaparecidos que estão, esquecidos da criançada destas e de outras terras deste imenso-ainda engenho-país, não quis a tradição que fostes tão famoso como seu amigo-escritor do Sítio do Pica-Pau.
Paciência. Talvez lhe tenham faltado a experiência da televisão, a mídia e a indústria cultural a imputar na mente de todos a semente dos ídolos. Paciência – e saudade. Que muito devemos a ti, na literatura infantil brasileira e nesta cidade, mestre Thales Castanho de Andrade.
É tempo! Vem Mário!
Alê Bragion é editor do Diário do Engenho.
Belíssimo!!!
Ainda é tempo! Vem Mário!
Belíssimo mesmo!!