Tenho em mãos o último exemplar do último livro de Vivian de Moraes (Erohtica, 2019), com dedicatória de janeiro de 2021. E não posso acreditar neste abrupto encerramento. E fico esperando que seja temporário. Que este último se torne o penúltimo, o antepenúltimo…
Eu a acompanho desde seus Poemas e canções (2012), Sonetos sombrios (2012), Haicais (2013), As sete cores do carneiro (2015), Desconstrução (2015) e Lesbos (2017), conhecendo-a enquanto atuava brilhantemente no jornalismo. Sua evolução a cada novo livro é notória, primeiro como poeta, depois como contista. Passou de um gênero a outro sedimentando habilidades de tecedora de imagens, cenas, pensamentos, emoções. Por que parou?
Gosto particularmente de seu Satan me tirou para dançar (2016), contos e minicontos. Inicia-se com gênese, um Gênesis de ponta-cabeça, em que Satan é o incansável criador – não de confusões, torturas e dores, mas do mundo. E termina com o conto breve que dá título à obra, no qual se narra, com fina zombaria, uma jogatina perversa envolvendo os arcanjos e o próprio Satan, que termina levando a narradora a bailar. Portanto, da criação do mundo ao final de uma jogatina, combinada com dança macabra (o próprio apocalipse em versão light, como convém). No meio, a vida – este recheio entre nascer e morrer, começo do mundo e fim do mundo. Sobre a qual se lançam olhares (são escritos contos) às vezes debochados, às vezes angustiantes, às vezes desesperançados – nunca tolos (efusivos, bobamente alegres ou artificialmente esperançosos). Pungentes, talvez, em sua maioria. Gritos, quase, alguns – face ao ter que ser (e ter para assim poder – poder, ter, ser) sem acesso a qualquer manual de instruções ou guia de condutas, às apalpadelas, às escorregadelas.
Difícil escolher o melhor ou o mais saboroso entre os 40 contos de Satan me tirou para dançar, porque cada um deles, mantendo uma forma afiada, madura, personalíssima, lida com temáticas que dançam “na cara” do leitor (conduzidas por Satan?), mas sempre vestidas de mulher, uma mulher que se quer dona de si e de bem com a vida, o amor, o mundo, mas sente que não é fácil e jamais imagina que para isso haja receita. Mulher que busca, busca e procura mostrar o que já encontrou. Com a palavra, todavia. E “a palavra é só um hábito de que não conseguimos nos desfazer” (p. 49).
Valdemir Pires é economista e escritor.
Referência: MORAES, Vivian de. Satan me tirou para dançar. Guaratinguetá: Penalux, 2016, 114 p.