Raízes da Violência

Raízes da Violência

Falar sobre violência, especialmente quando ela se levanta contra crianças, em um ambiente escolar, é sempre difícil, delicado e muito dolorido. O assassinato de crianças talvez seja o que há de mais brutal, perverso e bárbaro, provocando uma dor dilacerante. Crianças, em quase todas as culturas, representam pureza, delicadeza, ternura, esperança de futuro, que pede cuidado e proteção. Levantar a mão, de maneira covarde, para agredir com violência letal uma criança é um ato que provoca repulsa, revolta e indignação. O Brasil inteiro sofre profundamente com os ataques em suas escolas.

Os princípios fundamentais da civilização estão assentados na ética do amor e do cuidado. Isso significa que a mensagem de amor ao próximo, trazida pelo movimento de Jesus, teve um impacto determinante na construção das referências éticas da civilização ocidental. A ética do amor foi capaz de refrear os ímpetos mais violentos e brutais, fazendo surgir um outro critério de sociabilidade. O pensador René Girard, na obra “A Violência e o Sagrado,” analisa o quanto foi determinante a ética do amor e a moral do servir ao próximo, próprias do movimento de Jesus, para a superação de uma ordem pautada na violência generalizada. No amago da radicalidade e profundidade de sua mensagem, Jesus ousou ensinar a dar a outra face e fazer da vida um singelo e delicado dom, a se colocar a serviço da vida do próximo.

A ética cristã, do amor, da paz, da solidariedade e da justiça tem sido construída há milênios. Apesar de não ser realidade efetiva, ela sempre apareceu como a referência central, a bússola que aponta a direção verdadeira. É importante frisar esse ponto para podermos analisar melhor quais os impactos, para a cultura, para vida em sociedade e para as relações humanas da difusão e defesa de uma outra lógica relacional, que tenha o ódio e a violência como elementos fundamentais. Os discursos de ódio e proliferação de fake news produzem efeitos reais? As pessoas podem assumir comportamentos violentos e brutais seduzidas ou manipuladas pela degeneração e degradação éticas? Há alguma relação entre um ambiente cultural que faz apologia à violência, exaltando a posse de armas, por exemplo, com a explosão de ataques em escolas? Em todo caso, é sempre importante analisar e refletir sobre aquilo que se interioriza, aquilo que se leva para dentro de si. Quem semeia ódio acaba tendo como respostas a violência e a morte.

As raízes da violência se assentam em uma lógica que dissemina o ódio, projetando a negação e aniquilação do outro, que se apresenta como diferente, tendo como objetivo a produção e manutenção de estruturas de opressão e exploração. A exaltação de todos os tipos de preconceitos; a rejeição mais veemente da dignidade humana; a explicitação de concepções racistas; o repúdio aos direitos humanos; a indiferença diante do sofrimento do outro; o culto às armas e à brutalidade são manifestações de uma sociedade que se perdeu de sua humanidade, distanciando-se do projeto civilizatório. Mas a violência não pode ter a última palavra.

Medidas rápidas e imediatas são necessárias, mesmo que paliativas, em um contexto de ataque e violência aberta. Agora é preciso proteger e cuidar das crianças, jovens e educadores nas escolas. Mas é fundamental também recuperar dimensões mais profundas e éticas, restaurando o projeto de humanidade e civilização. Esse mal radical não pode nos abater, nem nos lançar em uma lógica vazia de banalidade. O desafio é recompor o caminho que constrói e edifica a cultura da paz, da sensibilidade, da justiça, do direito e do mais profundo e gratuito amor.

 


 

 

 

 

 

Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba, doutor em Filosofia e mestre em Ciências da Religião. 

adelino.oliveira@ifsp.edu.br

 

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