Lendo artigo de 02/08 em A Tribuna Piracicabana, ocorre-me que o autor, figura respeitada que teve papel relevante como vereador pelo Partido dos Trabalhadores, saiba que o Estado Brasileiro é laico. Isso independentemente de quão cintilantes forem a religiosidade de um cidadão em particular e suas convicções. Deve, então, o articulista admitir que discussões sobre o aborto sejam necessariamente sérias, visando à realidade da Saúde Pública no país. Esta realidade é: no Brasil se fazem abortos. E bastante! – dentro e fora das atuais exceções legais, cujo direito tenta-se retirar até das mulheres (crianças na maior parte das vezes) que foram estupradas.
Não se trata de sermos “a favor ou contra” o ato de se provocar um aborto. Afinal quem veria tal prática com bons olhos e ânimo ameno? Quase ninguém. De fato, a questão é decidir se continuaremos ou não a considerar um crime, de tal forma que mulheres que eventualmente o pratiquem devam ser condenadas a anos de prisão. Essa é a encruzilhada. E sinto informar-lhes que todos nós, sem exceção, temos parentas (às vezes muito chegadas) ou amigas queridas, colegas de trabalho, profissão e partido, ou conhecidas, vizinhas, que ao menos uma vez na vida fizeram um aborto. Se algumas dessas tornaram-se fundamentalistas hoje em dia é porque lhes convém. Covardemente gritam pela criminalização, seguras de que sua conduta passada não deixou provas nem rastros.
Perguntaria ao articulista: o senhor exige e reivindica a prisão para essas mulheres todas que fizeram ou fazem abortos, sejam elas próximas ou distantes de sua pessoa? Sim ou não? Indago também se lutaria por uma lei, em que os homens mentores desses crimes, os casados ou mesmo solteiros que recomendam, “exigem” e até pagam o procedimento às namoradas, esposas e amantes, sejam investigados e punidos. Ou a prisão deve caber somente às “execráveis” mulheres? Ah! É mais prático que somente as mulheres paguem por tudo. Sempre foi assim afinal.
Belos são o lirismo e as flores de romãs. Essas palavras seriam adoráveis se vindas de criatura que, gestante, se enleva ao pensar em seu querido e desejado bebê. Mas o instinto maternal, que é o primeiro e mais importante instinto animal, não é exclusivo do Homo Sapiens na verdade. Garante a continuidade das espécies. Paradoxalmente continua forte no ser humano apesar de, no nosso caso, estarmos em risco de extinção não pelo baixo número de indivíduos, mas sim pelo imenso número desses de nossa já citada espécie. Esse fato, porém, não aboliu a fertilidade nem o impulso maternal que temos nós do sexo feminino. A natureza deu-nos a capacidade de gestar (somente não às mulheres trans e casos específicos, que são exceções). Isso desperta inveja e até rancor em parte dos integrantes do universo masculino, creio. Pois querem gerenciar esta característica nossa, as decisões e escolhas. Mas tal dom não lhes pertence nem lhes pertencerá, por muito que se esforcem, por vias avessas, para controlarem corpos alheios.
Eloah Margoni.
(Arte de capa: Alexandre Bragion)