Já pensou em transitar pela cidade dentro de um carro de duas rodas, que lembra um Kinder Ovo gigante? Surpresa! Esse é o tipo de automóvel que muitas montadoras planejam vender no futuro. Por enquanto, existem apenas protótipos fofinhos. O da GM chama-se En-V, é elétrico e pode rodar sem motorista. Num mundo com tecnologia, ruas, trânsito e crianças ideais, você poderia colocar seus filhos (no máximo dois) no carro e mandá-los para a escola, no piloto-automático.
O carro-ovo tem capacidade de desviar-se de obstáculos e outros veículos, mas sua velocidade não ultrapassa os 40 Km/h, o que se mostra insuficiente caso algum motoqueiro resolva colidir contra ele de propósito. Sim, isto aqui é o Brasil, país onde alguns motociclistas batem intencionalmente nos carros para extorquir dinheiro dos motoristas. Seria engraçado ver um pobre carrinho-ovo tentando fugir de um chantagista camicase.
Desviar de obstáculos brasileiros também não é para tecnologias principiantes. O En-V tiraria de letra buracos de um ou dois palmos, mas, quando chovesse, precisaria de uma sonda para medir a profundidade de crateras cheias d’água. Quanto a livrar-se de bueiros explosivos, ameaças híbridas de canhão com lança-chamas… sem chance. Nem pedestres experientes escapam.
Agora imagine-se na infância, sem adultos por perto, viajando em um carro que anda sozinho. Você é um amor de criança, quase um anjo. Seu irmão ou coleguinha, que vai junto com você para a escola, é igualmente angelical. Nos primeiros dias, vocês se comportam bem. Com o passar do tempo, ideias surgem. Culpa do tédio, da inteligência, da curiosidade. Culpa dos engenheiros que jamais anteciparão todas as artimanhas pueris. Só o carro não tem culpa de virar uma câmara de gás, de pegar fogo, de descontrolar-se e de sabe lá Deus o que mais.
Carros pequenos parecem brinquedos e o espírito-de-porquismo juvenil não tem limites. Calculem o tamanho da tentação que um carro-bola representaria se estacionasse perto de uma ribanceira. Bastaria um grupo de adolescentes com vontade de empurrar. O veículo iria quicando e rolando até cair no rio e boiar por um tempo, com o alarme aos berros.
Ainda assim, um automóvel desses é o meu sonho. Ele é bonitinho, 80% mais barato do que os carros comuns, econômico, não faz barulho, ocupa pouco espaço e serve para criaturas compactas, que não dirigem, como eu. Tenho pouco mais que um metro e meio. Sou doida por livros. Já bati num poste, uma vez, porque estava lendo enquanto andava a pé. Dentro de um En-V, eu poderia esticar as pernas e ler sem problemas.
Saibam, porém, que prefiro mil vezes os ônibus aos carros. Se nossos políticos pensassem realmente nos interesses da população e do planeta, o transporte público funcionaria direito. Quem nunca desafiou engarrafamentos, viajando em pé, em ônibus cheios, depois de um dia de trabalho, não entende a revolta dos passageiros que apedrejam ônibus.
A violência explode quando os ônibus atrasam demais e o povo percebe que não tem a quem recorrer. Não é uma atitude racional. É puro desespero e frustração. Já estive perto de um tumulto desses. Vi um rapaz dar tapas na lataria de um ônibus e gritar “Meu navio negreiro vem ou não vem?”
Pois bem, se você acha os carros-ovo apertados, é melhor pressionar os políticos por um transporte coletivo digno ou vai desperdiçar parte da vida em engarrafamentos, entre carros espaçosos, motos suicidas, ônibus e peruas lotados de passageiros prestes a explodir.
A autora:
Poeta e prosadora premiada em diverosos concursos nacionais, Carla Ceres acaba de ser classificada para a fase regional do Mapa Cultural Paulista – com uma crônica publicada aqui no Diário do Engenho!
Twitter: @carlacers
Oi, pessoal! Quem quiser ver uns En-V vá para http://www.youtube.com/watch?v=km7JQgSphgM
Beijos!
Muito gostoso de ler seu texto! E que reflexão provoca! Tempos modernos…
Um abraço.
Quero um En-V de presente pra mim. Apesar das desvantagens, eu quero rsrs. É uma graça rsrs. Como sempre, adoro seus textos. Beijos, querida. Au revoir 😀
Obrigada, Suzane e Natália! Gosto dos textos de vocês. Algum dia, vamos passear de En-V. 🙂 Beijos!
Oi Carla. É incrível essa sua capacidade de colocar uma pitada de humor em alguns de seus textos. Bater num poste a pé, até dá pra disfarçar…eu já entrei de cabeça num orelhão…Falo sério!