A Capoeira me acolheu, dando-me a consciência de minha negritude! Ouvir Mestre Zequinha, em uma roda de Capoeira Angola, é uma experiência impactante, formativa, profunda e intensamente humanizadora, repetiam os alunos pelos corredores da escola. Como um autêntico griô, pleno de memórias e muitos ensinamentos, Mestre Zequinha vai narrando suas incríveis vivências e tecendo considerações éticas sobre sua trajetória, forjada ao longo de uma vida generosamente dedicada à Capoeira.
O projeto de pesquisa e extensão intitulado Capoeira, Direitos Humanos e Educação Antirracista, articulado por um grupo de pesquisadores de três campi do Instituto Federal de São Paulo – Piracicaba, Capivari e Cubatão –, vislumbra analisar, em perspectiva histórico-crítica, as potencialidades da Capoeira Angola como via para a construção de uma cultura profundamente antirracista. Por meio de leituras, de entrevistas e de muitas rodas de conversas, o projeto quer avançar para uma compreensão mais complexa sobre o universo cultural que envolve a Capoeira.
Vivendo da Capoeira e para a Capoeira! Em uma roda de Capoeira Angola, Mestre Zequinha explica, com ar de plena gratidão, que a Capoeira é quem o formou, dando-lhe tudo o que tem, do ponto de vista material e espiritual. Assim, Mestre Zequinha não cansa de ressaltar o papel central da Capoeira em sua formação e também na definição de seu lugar no mundo. Foi a Capoeira que me ensinou a ser preto! Na concepção do Mestre, a Capoeira é uma elevada arte, sendo ao mesmo tempo dança, luta, brincadeira, representação e teatro.
O que sustenta a Capoeira é a força de sua tradição, com suas raízes na África! Permeando a riqueza e ludicidade da Capoeira há toda uma concepção filosófica de vida, que remete a profundas e ancestrais tradições desde Mãe África. Para Mestre Zequinha é aqui, no vínculo visceral com a África e suas tradições, que a Capoeira Angola alcança seu potencial de educar, libertando do pensamento colonizado, rebaixado em suas expressões de racismo e preconceitos. Irmã do Candomblé, a Capoeira é uma experiência de letramento racial, de reconhecimento do lugar de dignidade da negritude, enfatiza o Mestre.
Identidade na ancestralidade! A roda de Capoeira Angola segue uma dinâmica própria, uma certa liturgia, conduzida pelos cativantes e intensos sons que ecoam do berimbau, do pandeiro, do tambor, do agogô e do reco-reco, tudo sob a liderança do Mestre, que ocupa o lugar mais reverenciado na hierarquia dos capoeiras. As cantigas evocam e exaltam histórias pretas, por meio da ladainha, da louvação e também do canto corrido. Na estética litúrgica da roda de Capoeira Angola tudo é comunicação e ensinamento: os sons, as cantigas e também os movimentos e gingados corporais.
A Capoeira Angola é uma autêntica manifestação cultural, que representa e sintetiza a sutileza, generosidade e genialidade da cultura afro-brasileira. Mestre Zequinha, com sua singular sabedoria, que bebe na fecunda e inesgotável fonte da ancestralidade preta, é um legítimo fazedor de cultura popular, guardião cioso de uma tradição cheia de dignidade. O projeto Capoeira, Direitos Humanos e Educação Antirracista, implementado no Instituto Federal de São Paulo, pelo grupo de pesquisa Direitos Humanos e Juventude, está apenas na fase inicial, mas os mistérios da Capoeira Angola já começam a desfilarem diante dos pesquisadores, que se veem fascinados e provocados por essa expressão de arte popular, que é dança, que é luta, que é metáfora, sendo a história viva de muitas resistências.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.