Essa a questão a que volto, e que me remete a outros, que a fizeram antes. Encaro minha ignorância e a eles recorro assumindo o “só sei que nada sei”, socrático. Menos mal que posteriormente tal ignorância foi chamada de “douta ignorância”, a ela me agarro e parto para as leituras, confronto de ideias.
A “douta ignorância” me explica que há uma diferença entre aquele que reconhece os limites do seu conhecimento e aquele que ignora os próprios limites – no primeiro caso, a “douta ignorância”, no segundo a ignorância, o achar que se entende de tudo. Nos tempos que vivemos, a figura do matuto no poema de Jessier Quirino, que entendia de “acasalamento de muriçoca a atracação de navio”, cedeu lugar às “verdades” das redes digitais.
Hoje se opina (com o ar da superioridade conferida por um mar de conhecimento e a profundidadede um clichê) sobre acasalamento de muriçoca, atracação de navio, eficácia da vacina contra a Covid, Cloroquina, mudanças climáticas… “escolas cívico-militares”! Opinamos sobre tudo, “instruídos” pelas redes digitais – afinal, alguém que “pensa como eu só pode estar certo.” Não há lugar para o “só sei que nada sei”, o reconhecimento dos limites do que se sabe.
Mas essa ignorância pode matar. Matar o que não se vacinou, o que com ele teve contato, o que se automedicou com Cloroquina. O que desprotegeu a encosta e o que vinha na estrada, que o deslizamento engoliu. O que dormia e o que não dormia, que o rio subiu. Matar de tristeza quem tudo perdeu. Gravíssimo quando executivo e legislativo, ignorando os limites de seus conhecimentos, propõem e votam matérias sobre temas que estão fora desses limites, provocando tragédias – embora pudessem recorrer a especialistas em universidades, institutos de pesquisa e outros para decidirem tecnicamente. Eis a “douta ignorância” – que a ignorância mata.
A aprovaçãona ALESP do projeto das “escolas cívico-militares” a trouxe de volta: “qual é a pergunta?” Qual é a pergunta a fazer quando se vê a aprovação de um projeto que não encontra respaldo na comunidade que se dedica ao tema? Quando se abraça a ignorância (vade retro Sócrates!) e o respaldo vem da claque? Encontro a pergunta explicitada no título do artigo: “A quem interessa a militarização das escolas?” (https://www1.folha.uol.com.br/blogs/sou-ciencia/2024/05/a-quem-interessa-a-militarizacao-dasescolas.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo). Repito a pergunta: “A quem interessa?”. O artigo de Minhoto, M.A., Smaili, S. e Arantes, P. tem acessos ao projeto, à página e meia da exposição do secretário de educação, Renato Feder: “confusa e repleta de generalidades”. Concluo com seu trecho final: “a militarização das escolas é, ao mesmo tempo, um erro e um ataque ao direito subjetivo à educação e à cidadania, que requer liberdade e autonomia dos sujeitos, e não repressão e obediência.”.
Ou melhor, para não me acusarem de sectarismo, agora sim concluo: “historicamente, há registros de que os interesses privados e políticos de alguns segmentos chegaram a promover a queima de livros a fim de privar muitos do conhecimento e, consequentemente, de sua emancipação pessoal. Um povo esclarecido é menos manipulável!” (“Plano de Poder”, Edir Macedo com Carlos Oliveira, pág. 81, Ed. Thomas Nelson Brasil, 2008). E aí, caiu a ficha?
Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado ESALQ/USP.
Foto de capa: imagem de vídeo divulgado pela UOL – Dani Monteiro, Mônica Seixas da ASCOM – de 21 de março de 2024 produzido dentro da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP).