Fosse possível a gente realmente escolher e dar como presente o que parece ser capaz de acrescentar em mais um Natal, acho que sugeriria (e adotaria) apenas bilhetes, escritos à mão, com envelopes que pudessem ser guardados ou descartados de imediato, conforme quem os recebesse (por favor, nem pense em WhatsApp).
Não seria muito especial se a gente pudesse dar ou receber ao menos um destes?
“Filho, isso é um vale-presente. Para daqui uns 25, 30 anos, que é o quanto espero ainda viver. Portanto, guarde bem guardado. Depois dos 40, a gente descobre que começa a ter passado. E, ou se orgulha dele, ou descobre que fez da vida uma grande bobagem. Meu presente a você comecei a separar em várias caixas de arquivo, por datas e significados. Estou deixando para você todas as cartas de amor que um dia troquei. Também os bilhetes e cartões de amigos. As fotos da adolescência. As molecagens de quanto descobri a internet e que talvez lhe parecerão idiotas. Mas são meu presente de Natal para daqui a alguns anos. Sabe por quê? Porque sei que no dia em que você o abrir, descobrirá que a vida é muito mais simples e fácil de ser vivida, quando apenas aceitamos o que somos e nos orgulhamos do que sentimos. Portanto, não perca esse vale. E nem reclame… você já é adulto para achar ruim não ter presente embaixo da árvore”.
“Vô, dessa vez não vou passar o réveillon com a família inteira. Sei que você me entende. Mas pode reclamar da ausência com minha mãe, meu pai, os outros tios todos. Vou em busca de outros amores, como sempre disse que era preciso e que só mesmo você entenderia. Começo, recomeço, sei lá. Ficar parada é que não vai acontecer. Está vendo? Aprendi. Portanto, pode ficar feliz. O presente que você tem me dado em tantos Natais desde que eu era criancinha, de ensinar o que é a vida, levo comigo. Beijo”
“Não vou perdoar você de nada. Portanto, nada de arrependimentos como as pessoas costumam evocar no Natal. Deixe para trás o medo. Você já foi responsável tanto tempo. Agora, por que não começar 2025 pensando primeiro em você, em ser feliz, em mandar às favas o adequado, o comedido, o que esperam que você faça, o que pode ser seguro, confortável, mas que há tanto tempo você vem sabendo insípido? Sei que 2024 foi horroroso, sim. Mas também porque você se viu pelo olhar dos outros. Mande-os às favas. Viva. Vou estar por perto, se você precisar”
“Sabe, beleza foi algo que aprendi com você. A beleza tal como a dos origamis, construída pelo passar dos anos, acumulada pela experiência, desenhada pela lentidão das idas e vindas. Natal pode ser tempo da gente usufruir um pouco mais dela, não acha? Lembre-se que um dia foi você mesmo que a apontou para mim, em meio a depressões que todos enfrentamos. Obrigada, vou tentar fazê-la companheira em mais um Natal, mesmo não tendo você por perto.”
“Sei que 2024 é um tempo que para nós dois significa passado. Você entende, não é mesmo? Ainda bem que não deixamos 2023 ter gosto de futuro. Obrigada por tudo, inclusive pelas lembranças a carregar de outros Natais.”
Minha sugestão é que você se arrisque a escrever bilhetes assim, com coisas que provavelmente você não diria pessoalmente. O Natal e o Réveillon poderão ganhar outros sabores, outras sensações, para além do que a gente sempre espera e com o que em geral se decepciona.
Beatriz Vicentini é jornalista.