O povo brasileiro, em função de sua formação histórica, de alguma forma sente a necessidade de ter um ídolo, ou seja, de ter um representante que reflita seus anseios e desejos. Nesse bojo, a igreja evangélica brasileira, por sua vez, formada nos moldes americanos, apesar de muito mais fundamentalista, passa a considerar mais o externo e a desprezar o interno. Quer dizer, acreditando em ídolos que espelhem seus anseios, os evangélicos brasileiros consideram a mensagem do evangelho muito mais pelo viés do moralismo – pregado por tais líderes – e não entendem a moral de Deus – presente na Palavra Sagrada.
Aqui no Brasil, por sua vez, tal mensagem absorvida pela população evangélica encerra assim uma percepção ainda mais míope de santidade, valorizando-se muito mais a forma que o conteúdo (e quando penso em santidade, na perspectiva wesleyana – sou cristão protestante arminio-wesleyano –, aponto para o aspecto relacional com Deus, que confronta o cristão em seu caráter e consciência e reflete um olhar solidário para o outro).
Falando como evangélico há mais de 40 anos, percebo que nunca houve uma empatia entre as grandes igrejas evangélicas e o PT, por medo do comunismo Leninista/Marxista e dos horrores do Stalinismo contra as manifestações religiosas na antiga União Soviética. O povo evangélico brasileiro, no censo comum, sempre achou que o PT praticaria isso por aqui. Porém, como se sabe, entre 2003 e 2016 o PT ficou no poder e promoveu grandes avanços sociais, econômicos, educacionais e deu voz às minorias, ficando bem longe do temor baseado em tal censo comum evangélico.
Todavia, o partido cometeu falhas no diálogo com a população (especialmente após 2013). Além disso, errou também na condução da economia – apostando de forma exagerada nas Commodities e não interferindo na questão da dívida pública (e, depois, com Joaquim Levi, tentando uma austeridade fiscal complicada, além de possibilitar uma narrativa de corrupção). Isso pavimentou o caminho para as raposas da elite brasileira a ponto de ela fazer uma aliança paradoxal intitulada de “Aliança Liberal-Conservadora”, que cooptou milhares de evangélicos alimentando-os com um ódio ao PT e à esquerda.
À época, a opção ao PT era o PSDB (que é social democrata somente no nome), que após a eleição de 2014 assumiu um protagonismo antiPT. Mas bastou se colocar a lente do bom senso para perceber que esse partido também teve grandes problemas de corrupção e não respondia aos desejos conservadores da população evangélica – bem como também não apresentava um “ídolo” disponível para arrebanhar a nação cristã. Assim, o povo evangélico – que é muito mais voltado para os costumes do que para a essência religiosa – precisava de um “aio”, ou seja, de alguém que dialogasse e representasse seu conservadorismo centrado no costume.
Bolsonaro, portanto, representa o grupo que conseguiu construir uma narrativa centrada no tripé PÁTRIA, FAMÍLIA, PROPRIEDADE – percebendo o vácuo deixado pelo PSDB e somando-se à crise social brasileira e à posição do PT. Esse conjunto de fatos possibilitou o fortalecimento de um projeto neoliberal, conservador, que demonizou a esquerda e conquistou os evangélicos em sua maioria. Aliás, a narrativa bolsonarista – muito bem montada – uniu até evangélicos que não se sentavam nunca juntos, nem para beberem água. Assim, vemos agora Neopentecostais e Ultracalvinistas, por exemplo, repetindo a mesma fala a favor de Bolsonaro e apoiando seu discurso conservador e temerário.
Por fim, e se você me perguntar agora o que é ser evangélico, eu diria a você que a fé cristã acontece no cotidiano e deve ser manifestada nas relações horizontais (com as pessoas) e verticais (na transcendência). Na contramão do que vemos hoje, o cristão – acima de tudo – deve ser um inconformado, e deve manifestar seu descontentamento contra toda forma de trabalho precarizado, de ataque aos direitos humanos e ao totalitarismo em si. Mas, infelizmente, não é o que vemos acontecer nas ordas apoiadoras do bolsonarismo.
Nesse sentido, a fé cristã carece agora de muito mais atitude do que de discursos, pois ela traz em si ações que determinam a mudança de caráter e consciência. Assim, podemos dizer que a essência da fé cristã nos leva a pensar que o “mudo” fala muito mais se a sua atitude manifestar o que ele crê na fé cristã – e o exercício de se pensar e fazer um mundo melhor e mais justo passa, evidentemente, pelas escolhas políticas que, enquanto cristãos, devemos fazer.
Fleides Teodoro de Lima é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de São Paulo – Campus Capivari – e Pastor Evangélico.
Gostei do artigo. Concordo com o autor e acho que quem não é bolsonarista e não se alinha com a proposta do governo que aí está deve agir a favor de uma tomada de consciência em todos os seguimentos da sociedade. Penso que há muitos evangélicos que não estão alinhados com este governo, por isso, podem agir no interior de suas igrejas para acordar os que estão hipnotizados pelo discurso nazi-conservador do atual governo.
Prezado Dildo
A sensação que tenho é que muitos estão “hipnotizados”
Mas uma resistência nas igrejas principalmente entre as jovens, parece que sacaram mais rápido, que esse governo é anti-democratico e misógino.
Abs