A Política Morreu… Viva a Política!
Ajudar a pensar e a assumir o que se deve fazer para que a política viva, ressuscitada, seja uma política humana e humanizadora.
Dom Pedro Casaldáliga
A palavra política tornou-se um termo bem desgastado e até repudiado, rejeitado no contemporâneo. Para o senso comum falar em política significa abordar um tema desagradável, que remete a ações sujas, indignas, desonestas. Há uma clara associação entre política e corrupção. O senso comum vai além, reduzindo a política à condição de mera opinião. Ao tornar a política assunto de foro subjetivo, íntimo chega-se ao extremo de asseverar que política não é tema que valha ser discutido.
É verdade que se deve sempre ir além das percepções do senso comum, que, via de regra, carecem de profundidade e criticidade. Mas, onde há fumaça, normalmente há fogo. Em linhas gerais, a compreensão que o senso comum articula sobre a política não deixa de ser reveladora, contemplando certa sabedoria. Assim, subjacente às concepções do senso comum, descortina-se, em primeiro aspecto, uma profunda, contundente crítica ao modo de se fazer política na atualidade. Em segundo plano, evidencia-se a necessidade de se reinventar a política, retomando seu conceito genuíno, fundamental.
É preciso, contudo, indagar se o conhecimento conceitual de algo pode conduzir a reformulação de uma prática que se revela historicamente deturpada, equivocada. O fato de sabermos, de maneira clara e distinta, o significado mais profundo que se encontra por trás da palavra política carrega a força de transformar ações, atitudes que por ventura se encontrem em oposição a tal conceito? Quando um dado conceito, uma determinada ideia não se adéqua à realidade significa que o conceito tornou-se mera abstração, representação fictícia, insuficiente do real.
São as ideias que transformam a realidade ou a realidade dada que define a maneira de pensar? Essa não deixa de ser uma questão interessante, mas já enfrentada por Karl Marx. Para o filósofo do materialismo dialético, apenas a ação revolucionária guarda a força de transformar a realidade e com ela as próprias ideias e concepções de mundo. Marx nunca nutriu, alimentou ilusões sobre a política, que, segundo ele, não passava de mera ideologia, instrumento de dominação.
Em todo caso, o movimento de resgatar o sentido conceitual de política pode ser interessante e provocador. Nem que seja apenas para evidenciar o quanto um conceito, no decurso da história, pode se tornar estéril, vazio, totalmente em descompasso com a realidade.
Cabe aos gregos o mérito de terem criado a noção de política. Compreendida como a ciência que tem a função de organizar a sociedade visando o bem comum, a política, em seus primórdios, era tema de profundo debate filosófico. Platão e Aristóteles, pais do pensamento ocidental, analisaram longa e profundamente o que é a política e quem deveria exercer o poder. Para os pensadores gregos há uma estreita relação entre ética e política. Se a ética consiste no hábito de boas atitudes, a política seria a expansão das ações éticas para o todo da coletividade. Cabe ao âmbito político, por excelência, construir, edificar a cidade como o espaço no qual o homem se realiza, encontrando a felicidade.
A concepção filosófica de política alcançou novos contornos com os filósofos modernos, iluministas particularmente com o mais radical deles, Jean-Jacques Rousseau, ardoroso defensor dos valores democráticos. O contratualismo político de Rousseau projetou um modelo de sociedade no qual o bem coletivo, decorrente da vontade geral, assumia a condição de soberania. Para tanto, bastava que cada um em particular abrisse mão de interesses individuais, mesquinhos em prol dos grandes interesses da coletividade. Por via da política, na dinâmica da República, o homem poderia se reconciliar com sua natureza e voltar a uma vida feliz e harmônica, obedecendo às leis instituídas por ele mesmo.
Ora, é evidente que a política, no sentido mais genuíno, filosófico do termo, morreu. O senso comum já a enterrou há muito tempo. O que restou hoje consiste apenas de um mero arremedo, uma imitação barata, inautêntica de política. Legisladores que se revelam incapazes de compreender o espírito das leis. Gestores, carentes de liderança, perdidos em atividades meramente burocráticas, como se governar fosse simplesmente manter a máquina pública de alguma maneira funcionando.Não há proposição de ideias, de alternativas, de novos projetos societários. Não se vislumbram soluções, possibilidades criativas, inovadoras à educação, à saúde, ao problema habitacional, à violência, ao desemprego, à pobreza em geral. O que se tem é apenas mais do mesmo. A perplexidade diante das questões que desafiam, assolam as sociedades evidencia a morte prematura da política.
A política, como concebeu os pensadores gregos e os filósofos iluministas, pode se configurar, de fato, como a ciência a pensar e edificar as bases de uma sociedade melhor ou, como asseverou Marx, pode permanecer como discurso vazio, abstrato, instrumento ideológico de dominação, subsunção. Talvez o caminho seja reinventar a política, forjando um novo conceito, com outras perspectivas e distintos personagens, mais dispostos, capazes a pensar, criar, conjecturar possibilidades, alheios a todo interesse que não se revele expressão maior do bem coletivo.
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Filósofo e professor universitário, Adelino de Oliveira é pós-doutorando pela ESALQ/USP.
Como sempre, professor Adelino, aprendo com suas muito boas reflexões.
Depois da leitura, fico com o sentimento ainda mais forte, e que já carrego há um bom tempo, que parar com tudo é preciso. E é preciso recomeçarmos para nunca mais vivermos o mesmo, nunca mais o mesmo do mesmo.
Parabéns pelo texto, professor, que, como tudo que escreve, para mim é bastante instigante.
Um abraço.
Olá, querida Zilma Bandel,
Agradeço pela interlocução qualificada e pelas palavras sempre gentis, carregadas de afeto. A política é mesmo um tema desafiador, talvez reinventá-la seja o único caminho. Por hora, ainda temos a capacidade da reflexão.
Com profunda amizade,
Professor Adelino,
Ao meu modo de ver, sua análise revela de certa forma um pensamento do qual compartilho: Existe uma carência muito grande de teorias reformuladoras no que diz respeito à política.
E pela primeira vez eu senti uma certa descrença no seu discurso, no sentido de que uma alternativa atual para salvar o conceito grego de política e retomar o interesse pelo bem comum é o mesmo que uma utopia…
Parabéns pelo texto
Abraço!
Estimado Sarto,
Como é bom saber de você!
Agradeço por seu comentário e pela demonstração de estima, que é recíproca.
Não é descrença e sim busca por um pensamento que ainda faça sentido.
Com elevada amizade
Denso, profundo e atual. Compete a cada um de nós fazer da política instrumento de transformação social. Não porém sozinhos, mas organizados em grupos que interfiram de alguma forma porque reclamar somente nada muda.
Olá, caro Totó,
Você tem razão, a organização, articulação política configura-se como o caminho para a promoção de profundas transformações em esfera social. O problema é há um certo esgotamento, talvez cansaço, da militância.
Esteja bem!
Gostaria de propor outra visão. Se lembrarmos, em nível federal não são mais do que 20 ou 30 os deputados e senadores mencionados na imprensa diariamente. Entretanto, há 594 deputados e senadores. Então, feito em um shopping, onde poucas madames e patricinhas fazem tanto alvoroço que parece haver lá só madames e patricinhas, esquecemos haver cinco centenas de deputados e senadores fazendo política, muitos deles fazendo boa política e legislando projetos socialmente importantes. Em meu entender, nada há a reinventar: o necessário é ampliar o grau de compreensão e participação política da população, toda ela e cada vez mais, para que a depuração dos maus políticos (que sempre os haverá) ocorra naturalmente.
Prezado Luiz da Luz,
Receba meu abraço cordial.
Talvez o prisma do artigo proponha outra direção. Não basta ao cidadão, que faz da política profissão, apenas não ser corrupto. Aliás, não ser corrupto é o mínimo que se espera de qualquer cidadão. É preciso ir bem mais além. Aquele que se dispõe ao exercício da política por meio de cargos públicos deve, como nos ensina o próprio Platão, ser extremamente competente, sempre aberto ao debate democrático, capaz de pensar e propor caminhos à sociedade.
A corrupção é um desvio terrível, mas a ausência de competência, de condições para exercer o poder também se configura como um mal.
Prof Adelino, admirável sua análise! Atualmente vemos um movimento de desqualificação da política, para que desestimule-se o envolvimento dos cidadãos; porém, acredito que o processo eleitoral não termina com o voto, como a maioria acomodada pensa, fazendo-se necessária e urgente a participação cidadã.
Querida Daisy,
Agradeço por sua presença nesse espaço e pela oportunidade de interlocução.
O tema da plena participação popular é fundamental, se almejamos, de fato, uma sociedade democrática. A democracia pressupõe participação do cidadão em todos os temas atinentes à vida coletiva. A própria política, ainda no contexto da Grécia Clássica, tem como fundamento básico o debate público, a discussão de ideias e propostas em torno do melhor caminho para a organização social.
Esteja bem!
Meu bom e estimado amigo Adelino.
O texto sobre “politica” de sua autoria que acabo de ler, retrata com profundidade o que fizeram com uma palavra que deveria ser respeitada como complemento do Hino Nacional do nosso querido Brasil. Infelizmente, a realidade não mostra o respeito que o povo teria de quem o representa, pois os politicos que exercem a politica, deixaram de ser admirados pelas razões as quais, esta muito bem explicado em sua lavra.
Continuo vivendo com a esperança que um dia, a consciência dos politicos transformem suas ações e procedimentos em atitudes que tragam justiça social.
Com o respeito e admiração que tenho pelo amigo Prof. Adelino, agradeço a oportunidade de receber e apreciar tão importante matéria em discussão no momento atual.
Jayme Rosenthal
Estimado Jayme Rosenthal,
Obrigado pelas palavras de afeto e estima, que são verdadeiramente recíprocas. É sempre bom ler seus comentários nesse espaço.
O tema da política, de fato, atinge a todos, a política é uma causa de todos. Talvez nossa reflexão ecoe, despertando para novas possibilidades.
Esteja bem!
Admiro como em poucas palavras transmite clareza num assunto tão complexo ,mesmo sendo leiga no assunto percebo que apolítica precisa sim de transformações e seres humanos que sonhe com um futuro mais digno para todos, Paulo Freire um educador e político já defendia uma luta política em nome da ética universal do ser humano em nome da necessária transformação da sociedade para uma sociedade mais justa, é professor precisamos acreditar que outros distintos personagens vão surgir
Olá, querida Neiva,
Estimo que esteja bem!
Realmente, Paulo Freire é mesmo uma bela referência. Ele nos ensina que o caminho para a construção de uma nova realidade política passa necessariamente pela educação.
Com amizade.
Professor, parabéns por falar de forma tão clara a nossa realidade, precisamos realmente que em algum momento, e que não demore muito, que as pessoas entendam que somos nós que poderemos de alguma forma fazer a diferença!,
Olá, Clecio,
Você tem razão, qualquer mudança política depende do envolvimento de todos nós.
Fique bem!
Professor Adelino!
Parabéns pelo texto.
Ele me fez refletir que todos nós devemos ser comprometidos com a política e tomarmos uma postura diante dela. Buscar entender do que se trata e nos posicionarmos, já trará uma atmosfera diferente ao país. Claro que será uma longa jornada e não é tão simples tirarmos a ideia de que política e corrupção andam juntas, mas entender o que ela representa e que a chave está em nossas mãos fará no mínimo, que nas futuras eleições tenhamos candidatos mais qualificados.
Querida Lucila,
É sempre bom encontrá-la pelo espaço do Diário do Engenho.
O engajamento político e o envolvimento de todos é mesmo fundamental para a construção de novos tempos. Escolher bem em quem votar um passo importante, mas é apenas um primeiro passo.
Fique bem!
ótimo texto, me fez refletir em vários aspectos que não caberiam discutir aqui, o objetivo final talvez nunca passe de utopia, o coletivo nunca sera acima do individual e isso é nato do Homem e também pode ser percebido em todos os animais irracionais, talvez a filosofia nunca venha a entender isso, quem sabe a psicologia possa esclarecer, o próprio desejo de liderar o coletivo demonstra o ego individual do desejo de poder, vejo a frente da filosofia dos grandes pensadores, como Marx sitado varias vezes, direcionamento vago e infundado, alias nunca vou entender como pode ser um grande pensador e definidor do ‘capital’ alguém que nunca foi capaz de pagar suas próprias contas, alguém que sequer conseguiu se sustentar em meio as regras que regiam a sociedade á época de sua existência, um grande fracassado em todos os sentidos, onde a obra maior é achar um culpado pela sua derrocada vida. a criação deste pensador é a base utilizada para justificar milhões de mortes pela simples intolerância ideologia, a morte gratuita, alias dia 04 de junho foi bodas de prata do grande massacre da praça celestial onde morreram milhares de inocentes que gritavam pelo direito a participarem da definição politica de sua pátria(china), acredito que a essência da politica que você sita talvez venha a existir um dia, mas minha crença diz que virá de pessoas que ao invés de ter como ideologia o ódio a quem quer que seja, tenha amor ao próximo.
parabéns pela matéria.
Olá, Idinaldo,
Sua reflexão aborda várias questões, de maneira inclusive polêmica. Confesso que tenho dificuldade de concordar com alguns aspectos de seu ponto de vista. Karl Marx é um pensador original, denso, profundo, que traz, em suas análises, contribuições fundamentais para a compreensão do mundo contemporâneo.
Esteja bem!
rssss….Adelino, graças ao bom Deus podemos pensar de maneira diferente, isso faz com que a humanidade caminhe em frente, sempre buscando o inalcançável, o problema começa quando uma ideologia tenta anular a outra, caso unanime de todos os sistemas remanescentes do Marxismo, não discuto o intelecto de Marx, que é sem duvida acima da media humana, mas discuto sim a que veio tais pensamentos, é como pedir para o Marcola escrever suas ideologias, sendo este um cidadão de intelecto muito acima da media (e o é) dentre alguns anos teremos seguidores e defensores desta nova ideologia Marcolista (rss). certo? errado? não sei, mas vai contra meus princípios admirar pessoas que pregam ‘faça o que digo mas não faça o que faço’ Marx defendeu a diferença de raças, a inferioridade de nações, e ele próprio tinha uma ‘escrava’ nos termos da definição atual, da qual fez um filho e deu embora para ser criado pelo seu amigo, (isso pra não chover no molhado, pois você conhece a historia de vida deste senhor infinitamente mais que eu), sou incapaz de admirar as ideias de alguém que repudio sua historia e seus atos! talvez suas intenções fossem as melhores diante de seu cenário de vida, mas isso Marcola também pode ter!
o que me faz escrever ou debater assuntos é o simples fato de saber que posso despertar a reflexão ao outro lado da moeda, independente da concordância ou de quem esteja com a razão, se é que ela existe.
seus textos sempre me enriquecem de reflexões, admiro-o por isso.
forte abraço, esteja bem.
Olá, caro Idinaldo,
Estimo que esteja bem!
Agradeço pela oportunidade de interlocução, bem como por sua manifestação de estima.
Penso que a divergência pode gerar crescimento. Seu comentário suscita tantas possibilidades de reflexão… Talvez um caminho ponderado seja articularmos melhor os conceitos. Por exemplo, você utiliza o termo ideologia de maneira solta, indefinida. Justamente esse conceito que foi tão bem trabalhado pelo próprio Marx. O tema da ideologia é mesmo central nas análises de Marx. Bom, talvez a imagem que você compõe de Marx seja apenas reflexo de uma visão ideológica, no sentido filosófico do termo, é claro.
Receba meus cordiais cumprimentos.
Olá Professor, adoro seus textos e mesmo lendo em tempo posterior ao desejado, fico muito feliz em ter oportunidade de refletir sobre; mesmo não sendo uma conhecedora (filosoficamente falando) aprendi com o tempo a apreciar a política, ainda uso o termo politicagem que em minha opinião é o que devamos eliminar através de mais discussões e verdadeira militancia, em nossa educação pouco aprendemos sobre lutar por nossos ideais e quase não temos a valorização da política, que perdeu seu verdadeiro valor, eu sempre me considerei sonhadora e às vezes até utopica rsrsrsrrsrs mas ainda acredito na mudança e textos como esse nos ajudam nesses processo lento, mas possível….. Obrigada e esteja bem!!!!!