Praga amarga assola Tebas –a tudo dizimando. Tirésias, o sacerdote cego, sabe que a causa da praga é o esquecimento de um crime que permanece impune – o esquecimento do que nunca poderia ter sido esquecido. Vivemos um tempo invertido ao da tragédia Édipo Rei: a praga assola, nunca deixou de assolar, mas há os que querem que o crime seja esquecido.
Trevas Piracicaba – quinta-feira 03/04 – o informe chega cedo: o banner que brada “DITADURA NUNCA MAIS!”, “SEM ANISTIA!”, e que traz uma foto, um pequeno texto, foi furtado da frente da subsede da ADUSP (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo), na entrada da ESALQ, na mesma noite do dia em que ali foi colocado. Quem o colocou pediu autorização à diretoria regional, chegou à luz do dia– quem o furtou, chegou com a noite.
E a foto é do Luiz, Luiz Hirata, que também é Lua e que se formou engenheiro agrônomo pela ESALQ/USP. E o Luiz, que é Lua, dedicou-se à “alfabetização de jovens e adultos, ao apoio às lutas dos trabalhadores por melhores salários e ao seu engajamento por liberdades democráticas contra o regime ditatorial” (https://adusp.org.br/ditadura-militar/lh-50/). E o Luiz, Luiz Hirata, que também é Lua, foi assassinado nos porões da ditadura em 20 de dezembro de 1971 – repito seu nome, apelido, para não esquecer o que não pode ser esquecido.
Trevas Piracicaba –noite do mesmo dia, sessão camarária, Moção 66/2025 de apoio a anistia de golpistas foi aprovada (https://adusp.org.br/conjuntura-nacional/piracicaba-mocao/). Há que assistir o vídeo disponível no “site” da Câmara, mas sem pensar que o salário de cada vereador, vereadora, é de R$ 18 MIL ao mês, que isso é “mero detalhe”. E não, não é ironia, não há como ser irônico pagando esse salário por tanto desserviço– assistam, acompanhem as sessões e concluam. E ao ler essa matéria da ADUSP, amigo buscou o que não pode ser esquecido e trouxe Jacinta Passos. E comparou seu caso com o da pichadora da estátua da Justiça, que como os demais golpistas foi acusada de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.
Comparou que a pichadora foi julgada e condenada a 14 anos por participar de atentado violento à democracia e depois de 2 anos, estava em casa. E que Jacinta Passos também foi presa, mas por pichar muros contra a ditadura, pichar pela liberdade, pela democracia – e então há que lembrar de Jacinta, que ninguém pode ser esquecido. Lembrar que Jacinta Passos também era mãe e poetisa e escritora de contos, textos de história e de filosofia, peças de teatro e letras de música. Que foi pega pichando muro em Aracaju, uma poetisa que respondeu com poesia às torturas no Quartel do Exército (28o BC), que então foi dada como louca e internada na “Clínica Psiquiátrica Adauto Botelho e, na sequência, jogada para sempre na Clínica Santa Maria, no bairro América.” Que escreveu muito, que a tratavam com eletrochoques, porque ela queria sair– que não era insana–e que lá foram os últimos 9 anos de sua vida. (Você conhece Jacinta Passos? Mangue Jornalismo, 11/05/2023).
Como Luiz, Luiz Hirata, que também é Lua, Jacinta, que também é Jacinta Passos, vive: “Quando eu não for mais um indivíduo, eu serei poesia/Eu não serei eu, serei nós/serei poesia permanente/poesia sem fronteira.”
Sergio Oliveira Moraes, físico, docente aposentado da ESALQ/USP