Atribui-se a Eça de Queiroz a máxima que diz que políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos – e pelos mesmos motivos. Numa linha menos personalista e de menor ironia à figura do político em si, certamente é mais adequado (e menos irônico) afirmar-se que ideias e estratégias políticas, como as fraldas, essas sim é que precisam de troca frequente. Afinal – e o tempo veloz da web e do mundo digital nos prova isso – as linhas ideológicas que alimentam a força das discussões (dentro e fora da internet) e que por vezes conduzem processos eleitorais (quase que integralmente) tendem a modificar-se também com velocidade surpreendente. E a história está aí para nos provar isso. Não há pensamento nem opção político-ideológica que dure para sempre.
Nesse sentido, se a cristianização da política ainda é uma arma capaz de eleger candidatos e candidatas nos mais diferentes pleitos – de vereadores ao Congresso Federal e Planalto – a doutrinação religiosa que alimenta esse tipo de jogo político-religioso parece que sofreu, no curso da história, sua primeira leve rachadura no casco.
Contrariamente ao que esperavam grupos políticos ligados aos evangélicos e católicos que fazem da moral religiosa uma bandeira eleitoral mais poderosa do que a discussão acerca de qualquer outra questão social, o PL 1904 que tramita no Congresso – nacionalmente apelidado de PL do Estupro (e que propõe uma alteração no Código Penal que, se aprovada, fará com que mulheres vítimas de estupro que realizarem aborto após a 22ª semana de gestação tenham pena equiparada à reclusão prevista em caso de homicídio simples – que pode chegar a 20 anos) – acabou ganhando imensa repercussão negativa junto à maioria da população brasileira, incluindo aí parte significativa de religiosos e religiosas.
Como aponta pesquisa divulgada pelo Datafolha no dia de ontem – quinta, 20 de junho – dois entre três brasileiros são contra o referido PL (o que representa 66% dos entrevistados). Na mesma linha, católicos e evangélicos – ainda de acordo com o Datafolha – são majoritariamente contra esse projeto. Mais especificamente, para o Datafolha 57% dos evangélicos são contra o PL do Estupro, 60% dos católicos também.
Atento ao rechaço – que, se ainda está anos luz de sinalizar um verdadeiro racha na fusão eleitoreira entre política e religião, é (todavia) um novo e relevante sinalizador de que as pautas conservadoras podem começar a sofrer derrotas expressivas junto à opinião pública –, o presidente da Câmara de Deputados, Arthur Lira, já apontou para a necessidade de se dar um freio nos trâmites e na velocidade que ele mesmo imprimiu ao processo referente a esse PL. De igual modo, a base evangélica e católica vem tornando público que sentiu o golpe – reconhecendo que a reação popular foi, de fato, inesperada, contrária à proposta e que pode eventualmente dar uma atmosfera negativa à pré-campanha de candidatos ilustres.
Em Piracicaba, por sua vez, parece que essa percepção (de como é nefasta a radicalização absurda que tal PL propõe e que sua defesa pode ser politicamente um belo tiro no pé) parece que ainda não está de todo clara. Isso porque, também na noite de ontem – quinta-feira, 20 – a Câmara Municipal aprovou moção em favor justamente ao PL 1904 – contrariando todo o movimento nacional e mesmo local contra esse projeto.
Ganhando a disputa dentro da Câmara piracicabana – que teve apenas três valorosos votos em contrário e algumas abstenções – talvez os que votaram pela moção não tenham “levado” de verdade essa “vitória” para dentro de seus mandatos e de suas pré-campanhas. Quer dizer, ante o silêncio estratégico da maioria dos prefeituráveis locais sobre o tema, a vitória no plenário da Câmara da aprovação de tal moção também tem tudo para se converter em perda de votos para quem a aprovou. E, diante disso, cabe a pergunta: estaríamos – como muitas vezes acontece na política – diante de mais uma ocorrência do famoso “ganhou, mas não levou?” O tempo é que dirá. Aguardemos.
Fortalecida, essa sim, saiu a luta das mulheres – em Piracicaba e pelo Brasil – que, unidas, se posicionaram sobre o tema e vêm fazendo valer a sua voz e a sua força. Essa, com toda certeza, até aqui é – de fato – uma grande vitória.
Editorial da semana.