Páscoa sob o Signo da Ecologia Integral

Páscoa sob o Signo da Ecologia Integral

Talvez o tema das mudanças climáticas, com a perspectiva real de tornar insustentável a sobrevivência em diversas regiões do planeta terra, seja capaz de mobilizar e sensibilizar os poderosos do mundo para uma outra maneira de se relacionar com a natureza. Às vezes a iminência de uma catástrofe ambiental, que já manifesta seus graves sinais, acaba por se constituir como o elemento capaz de colocar em movimento um processo de despertar da consciência, de maneira a levar a humanidade a avaliar e repensar seu modo de viver. E isso não se revela como uma falsa esperança! As mudanças climáticas já batem às portas do planeta, é mesmo urgente agora reconstruir as relações ambientais, assumindo uma nova mentalidade dinamizadora de outra concepção de desenvolvimento e progresso.

A Campanha da Fraternidade, proposta pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), traz a reflexão e mensagem sobre a ecologia integral, na perspectiva de que a humanidade precisa avançar para uma nova sociabilidade, em uma relação ética na qual o ser humano se reconhece também como natureza. A fauna e a flora não podem mais ser compreendidas como realidades apartadas, separadas do humano. Há uma integração profunda e complexa entre todos os seres que compartilham do planeta terra – que também pulsa – como seu habitat, seu lar querido e insuplantável. A terra, com toda exuberância da natureza, é a comunidade de destino da humanidade. Essas mesmas compreensões e alertas também aparecem na encíclica Laudato Si e na exortação apostólica Laudate Deum, ambas do Papa Francisco.

Oxalá tenhamos chegado, finalmente, ao ponto de mutação, com a aurora de uma nova mentalidade ecológica, capaz de perceber a integração complexa que existe entre o planeta terra e as expressões de vida, inclusive a humana. O ser humano guarda um vínculo fraterno e solidário com toda a vida planetária. Essa é a essência ética da ecologia integral, que deve se constituir como o grande espírito do tempo, a ideia absoluta, com a missão histórica de resgatar e recuperar a humanidade, em sua filiação terrenal. Relatos míticos que narram concepções da terra como Gaia e Pachamama talvez nunca tenham sido tão atuais, urgentes e necessários.

Este não deixa de ser também o sentido mais genuíno da Páscoa cristã: recuperar a humanidade de sua trajetória de fracasso e equívocos, tendo como sequela a geração de um mundo sem comunhão. Teologicamente, a Páscoa de Jesus contempla a representação do grande resgate de uma humanidade que se encontra perdida e decaída. A ressurreição de Jesus aponta para o renascer, em um outro nível e patamar, das relações humanas. É o próprio ser humano que rompe com as estruturas que produzem separação, fragmentação e morte, ressurgindo para uma vida plena de encontros e possibilidades. A esperança que a Páscoa representa consiste justamente nesta dimensão que se abre em um ciclo de recomeço, de renovação, de vida pujante.

O fato é que as mudanças climáticas apontam para a impossibilidade da vida no planeta. Chegamos no ponto de ruptura. Ou se avança para uma outra mentalidade, uma outra forma de se organizar a vida e suas relações, em um processo profundo de produção de justiça social e ambiental ou restará, tão somente, o abismo da extinção, da destruição total, do caos decorrente da reprodução de uma lógica insana e suicida, em sua voracidade por lucro e acumulação. A escolha nem é tão difícil assim. No limite, nem há verdadeiramente escolha. É a vida, em uma integração planetária, ou o nada e o vazio da destruição.

Celebrar a Páscoa sob o signo da ecologia integral representa assumir o processo de despertar de uma nova consciência planetária, que se revela na percepção das sutilezas complexas que integram, de maneira indissociável, a vida e o planeta terra. Esta visão, que encontra seu fundamento na longa tradição da espiritualidade cristã, alcança as relações humanas, rompendo com ciclos históricos de opressão e exploração. O vínculo desta comunhão profunda, fraterna e solidária, que perpassa as relações entre vida e planeta, conduz a um tempo de justiça e direitos, no campo das interações sociais e também ambientais. Que a experiência da Páscoa se constitua como o tempo privilegiado para o despertar e despontar da ecologia integral, base para uma nova sociabilidade ética – complexa, planetária, relacional.

 


Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. 

 

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