A fim de que o amor com que amaste esteja neles, e eu neles. (Jo. 17, 19b).
O período da Páscoa não deixa de ser um contundente convite para que revisitemos a dimensão da esperança, tão vilipendiada, machucada em nosso tempo. Fazendo memória da Ressurreição de Jesus Cristo, evento central, fundante da revelação cristã, a Páscoa comemora primeiramente a vida em sua sublime capacidade de vencer, suplantar a própria morte, abrindo-se para a transcendência. Mas a riqueza, profundidade dos símbolos pascais situam-se para além do campo religioso, alcançando, ecoando em aspectos da vida cotidiana.
Neste ponto, a celebração da Páscoa contempla uma inspiradora metáfora acerca dos processos existenciais. A fé na ressurreição, em uma vida que não se esgota com a mort
e, consiste na mensagem mais elevada, a apontar para a transcendência do existir. O processo de ressurreição, não obstante, deve ser uma constante na dinâmica das relações e vivências do humano. A Páscoa pode representar a infinita capacidade de recomeçar, recriando novas, genuínas possibilidades de interação, relacionamento, vida.
Em um tempo tão ceifado de esperança, marcado por posturas pessimistas, filosofias niilistas, previsões catastróficas, pesado ressentimento, a Páscoa descortina-se como uma fundamental referência, a enfatizar, apontar o horizonte do devir, das possibilidades do humano. A ausência de esperança alcança significado histórico em uma sociedade que desistiu das utopias, dos anseios por uma realidade definida pelas dimensões de justiça, igualdade e liberdade.
A indiferença em relação ao sofrimento do outro, à miséria que atinge o outro, impedindo-o de se desenvolver como humano, revela a dureza de coração de uma sociedade empedernida, a se afastar de qualquer senso de amor, compaixão e direito, balizas fundamentais da civilização. A própria banalização da violência, atingindo principalmente os jovens que v
ivem nas regiões mais periféricas, encontrando-se em situação de maior fragilidade social e econômica, é também um traço, aspecto de um mundo perdido, que se conformou e se acomodou à injustiça, submergindo ao total desencanto e desespero.
A noção de cidade, de espaço urbano como local de convivência com o múltiplo, o diverso, diferente também se perdeu diante de uma sociedade que opta cada vez mais por criar guetos de proteção, reclusão. Em nome da segurança abandonam-se os anseios, princípios de liberdade. De um lado, nas longínquas periferias, segregam-se os pobres, privados dos bens materiais e culturais. De outro lado, reclusos na proteção e segurança de luxuosos condomínios, confinam-se as camadas abastadas, ávidas por desfrutar das benesses do capital, sem nenhum tipo de perturbação social. É a cidade dos guetos, da segregação, do isolamento, expressão da ruína do ideal de sociabilidade e convívio na alteridade.
A humanidade encontra-se diante de um beco sem saída, trilhando uma via incerta, sem direção, na medida em que a lógica da insensibilidade, do individualismo, da indiferença, da busca pelo pleno conforto, do consumo, da mera materialidade contrapõe-se às balizas civilizacionais. Há um quadro social, a dominar a vida e suas relações, que pede, grita por renovação, ressurreição. É preciso redescobrir, salvar o humano, por trás da miséria ou mesmo do excesso de bens. A Páscoa, como também metáfora dos fecundos processos que a vida deve passar, recoloca o tema da esperança, a suplantar toda situação que não gera abundância de vida para todos. A celebração da Páscoa
descortina-se como uma imprescindível ocasião para se relembrar, retomar os perenes princípios humanizadores. Na história exemplar de Jesus Cristo o humano pode se confrontar e se deparar com o que de fato é essencial e realizador: a vida como dom, compaixão, entrega gratuita, comunhão, na sensível dinâmica de amar e servir.
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Adelino Francisco de Oliveira é filósofo, teólogo, mestre em Ciências da Religião e doutorando sobre o Evangelho de João – em Braga-Portugal.
Professor, Adelino.
Já havia lido esse seu texto sobre a Páscoa. Recomendei a alguns amigos pela riqueza de ensinamentos e possibilidades de reflexão.
Sempre convocados em tempos de quaresma e Páscoa para uma profunda reflexão sobre o sacrifício do Cristo, sobre o renascer dos seus ensinamentos em nossa alma, seu texto nos leva além – lembrarmos desses mesmos ensinamentos na vivência cristã enquanto seres sociais, dos sentimentos solidários, do compartilhar, da comunhão, do amar e servir, da convivência fraterna com o diferente, da nossa responsabilidade, enquanto irmãos de Cristo, da possibilidade de transformação de nossa realidade social.
Obrigada, Professor.
Feliz Páscoa!
Estimada Zilma Bandel,
Agradeço pelos votos de páscoa. De fato, vivemos tempos difíceis, tomados pela indiferença, insensibilidade. Que a Páscoa seja ocasião para retomarmos os princípios e anseios genuinamente cristãos. Esse é um desafio para todos nós…
Esteja bem!
Caro Adelino
Tenho lido seus textos pelo Diário do Engenho e aproveito este momento de reverência à ressurreição de Cristo para cumprimentá-lo pela excelência dos mesmos. Sua escrita é de uma contundência impressionante, além da força que transmite àqueles que se realimentam de esperança no futuro da humanidade.
Parabéns e uma Páscoa com muita luz.
Abraços
Newman
Estimado Newman,
Agradeço pela leitura atenta, sensível e qualificada interlocução. Que a Páscoa renove toda nossa esperança.
Esteja bem!
Saudações Prof. Adelino
Que essa Páscoa nos traga muita esperança!
Abraços
Sílvia Magossi
Estimada Profa. Silvia Magossi,
Agradeço pelo votos de boa páscoa. É sempre bom reencontrá-la neste espaço acompanhando nossas análises e reflexões.
Esteja bem!
Obrigado por este lindo texto impregnado de uma espitirualidade viva. Admiro que tem a santa capacidade de escrever com esta maestria. Parabéns!
Que o espírito pascal faça-se imorredouro no seu coração.
Pe. João Evangelista Sobrinho
(Arquidiocese de Belo Horizonte)
Prezado Pe. João Evangelista,
Agradeço pela qualificada interlocução e pelos bons votos de Páscoa.
Esteja bem!
Mestre Adel,
Concordo veementemente com a sua análise de mundo.Estamos vivendo tempos difíceis,tempos de uma cultura niilista,consumista,egoísta/individualista;sendo estas, características que modelam a sociedade contemporânea.Sua reflexão me remete a uma pergunta para a qual não existe resposta simples:
Quais seriam as causas dessas características da nossa sociedade? Seriam elas,apenas reflexos conjecturais de nosso mundo capitalista?
Boa Páscoa!
Abraços!
Estimado Giovanni Sarto,
Agradeço pelo voto de boa páscoa. Suas questões nunca são fáceis, heim! Mas você mesmo já avança em direção a uma possível resposta. Karl Marx analisaria talvez que a infraestrutura, demarcada por um capitalismo de mercado, é a causa direta do esfacelamento de todas as relações… Mas veja, precisamos de mais espaço e tempo para analisarmos bem este tema. Fica o convite…
Esteja bem!
Mestre Adel,
Quando você quiser…Ainda anda aqui por Piracicaba?
Abraços!