Em tempos de ausência de referências no campo ético-político torna-se fundamental revisitar as fontes, para beber no sagrado poço da genuína tradição cristã. Os relatos da Paixão de Cristo, documentados nos Evangelhos, compõem-se como seiva viva, a alimentar as aspirações de quem quer seguir Jesus Cristo bem de perto. Reviver, no tempo litúrgico, os pontos centrais da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo é recompor os princípios basilares da cultura ocidental, mas também mergulhar nos alicerces da própria existência singular. Pois se a Paixão de Cristo procura definir os rumos da história, em sentido macro, os valores e apelos que dela se desdobram devem marcar o caminhar existencial, indicando o sentido maior que a vida pode assumir.
O Ocidente, talvez por algum tempo já perdido na história, ensaiou assumir a ótica cristã como fundamento e inspiração de suas instituições. No entanto, apesar da alcunha “Ocidente Cristão” a civilização herdeira de Roma não conseguiu traduzir, em seu legado, o primado do amor. A profissão de fé cristã, para além de meras palavras, quer construir e definir condutas.
Profunda e contundente é a palavra do Cristo, a propor uma nova concepção de humanidade, perspectivada em outras dinâmicas sociais. Jesus não tergiversa, suas ponderações são claras, coerentes, profundas. A ética que inaugura contempla a integralidade do humano, na indissociabilidade entre virtude, enquanto postura individual, e política, caracterizada pela busca do bem coletivo. Isso significa que não é possível ser discípulo de Jesus pela metade ou apenas nos finais de semana. O chamado cristão, a vocação de cada discípulo, abraça e alcança o indivíduo em todas as suas dimensões. Assim, a fé cristã se manifesta também na maneira como se organiza a vida material. Uma sociedade radicalmente cristã refletiria – tanto em âmbito de seus indivíduos quanto em suas estruturas –, a ética, a justiça, a equidade, em uma palavra, o amor.
A celebração pascal fala, sobretudo, de vida. Vida que suplanta todas as formas de opressão e morte. A páscoa de Jesus não deixa de ser um convite para se repensar a vida, no que há de mais cotidiano, bem como as próprias dinâmicas sociais. Nesse ponto, o processo pascal vivido por Jesus está tomado por imagens de banquetes de vida, onde se aprende a comunhão, a partilha e a caridade, fazendo da vida graça, dom e entrega. O Ocidente, por sua vez, insiste em promover banquetes de morte, com os comensais definindo os destinos do povo, suprimindo parcos direitos, em sofisticadas maneiras de continuar decretando a decapitação de João Batista.
É evidente que Jesus, em seu caminhar transcendental, manifesta-se como o libertador e salvador. Tudo em seu ministério aparece como desconstrução de uma ordem que oprime e gera situações de morte. A libertação que denuncia e se opõe a estruturas históricas de opressão e dominação, anunciando o Reino de Deus. A salvação que perspectiva a vida para um devir transcendental. A ressurreição nos ensina que a existência, quando pautada no amor, é capaz de superar todas as sombrias forças de morte.
Em um contexto em que a vida tem sido ameaçada por artimanhas de uma política diabólica, os cristãos são chamados a se levantarem, impactados pela Ressurreição, em um vasto movimento em defesa da vida, particularmente da vida dos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade. Que com a páscoa desponte também a aurora de um novo tempo, delineando outras perspectivas existenciais, em um cenário de uma política comprometida com a justiça e com o direito.
Adelino Francisco de Oliveira é professor do IFSP, campus Piracicaba.
Excelente artigo Adelino. Apesar dos tempos sombrios, ainda podemos renascer. Forte abraço!
Parabéns, Adelino! sua reflexão sobre a Pascoa é excelente, reanima os ânimos, dá o verdadeiro sentido cristão deste grande e maravilhoso eventos da fé cristã: CRISTO RESSUSCITOU! Ele está vivo e caminha conosco todos os dias de nossa vida, dando-nos forças e esperança para viver e enfrentar tantos acontecimentos maus, diabólicos, em nosso Brasil.
Obrigada!
Prezado Raul,
Obrigado pela leitura atenta e qualificada.
Com os melhores cumprimentos,