Para sobreviver a 2023 – eleições à beira do abismo

Para sobreviver a 2023 – eleições à beira do abismo

Não, não acabou ainda. Seja com a vitória de Lula no primeiro ou no segundo turno, ainda não vai ser possível respirar aliviado e dar vazão a essa vontade imensa de apenas celebrar porque sobrevivemos (mesmo porque em São Paulo será necessário ainda muito esforço para se eleger Haddad, vale sempre lembrar).

Melhor deixar para janeiro de 2023. Não porque ainda acredite que Bolsonaro tenha condições de articular um golpe, que não haja posse, que o país se veja envolvido numa guerra particular dos aloprados seguidores do presidente.

A questão a se ponderar é outra: o que fará Bolsonaro nos dois meses de poder que ainda lhe restarão? Que tipo de mecanismos acionará de forma a entregar um país ainda mais corrompido, mais desmantelado, mais desacreditado internacionalmente para Lula ter que reconstruir? Que áreas ele poderá amarrar ainda mais em cortes do orçamento para 2023, com decretos, com manipulação financeira, com garantia de impunidade para mais alguns? A quantas multas lavradas contra os que destruíram o meio ambiente ele ainda anistiará? A quantos políticos que enfrentam processos legais ele ainda tentará blindar? Que tipo de destruição de documentos ele ainda tentará realizar antes de abandonar o Palácio do Planalto? A quantos tentará ainda perseguir com o fôlego institucional que lhe é garantido até seus últimos dias como presidente?

Alguém ainda se ilude que será possível uma transição negociada e técnica, como deveria acontecer entre governos que se alternam? Alguém ainda se ilude imaginando que Bolsonaro não manipulará dados e informações para tornar ainda mais difícil os primeiros meses do novo governo? Alguém ainda se ilude que Bolsonaro não deixará lacres que impeçam que Lula intervenha de imediato em questões como a fome, a saúde, o direito à educação, a retomada da cultura, a preservação ambiental?

2023 será um ano dos mais difíceis. E nada há de pior do que apaixonados que se desiludem. Com certeza essa será a reação de muitos dos eleitores de Lula apenas nesta eleição. Porque haverá cobranças descabidas, pressões ainda mais multifacetadas, expectativas frustradas – com muitos se dizendo arrependidos de terem votado nele. Para sobreviver a 2023, com todas as limitações já traçadas por Bolsonaro, com a necessidade de se mapear e se conhecer mais claramente o desmonte das instituições feitas por ele, o novo governo não conseguirá – nem se tivesse a varinha de condão das fadas – modificar rapidamente algo substancial ou fazer mudanças legais que restituam direitos e políticas públicas mais inclusivas. Será preciso sobretudo paciência, compreensão do processo político e suas alianças, muita militância para fortalecer o novo presidente.

De tudo isso, entretanto, me parece que para se restabelecer bases mais sólidas de uma democracia, num único ponto Lula não poderá transigir: Bolsonaro precisa ser processado, julgado, enfrentar um acerto de contas com esse país que ele quase destruiu. Que nem se converse sobre questões como anistia. Que nem se ouça aqueles que a advoguem em nome de uma pacificação nacional. O Brasil já passou por isso em 64. E seus efeitos são sentidos até hoje. Bolsonaro foi um deles.

 

 

Beatriz Vicentini é jornalista.

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