O que a imagem que identifica esse texto produz em você? Qual sua reação? Onde você colocaria essa pintura?
Em março passado, quando aqui no Diário do Engenho publicamos uma série especial sobre os 60 anos do golpe, certamente faltou uma das análises que chegou até a ser programada, mas infelizmente não integrou a série.
Seu conteúdo não se altera. Talvez seja ainda mais necessário porque ninguém entre os muitos leitores e seguidores da série reclamou da falta de ponderações sobre a questão indígena no país e suas origens e relações com a ditadura militar. O texto, desde o início, foi pensado a partir de uma pintura do artista Rocco Caputo. Trata-se de um quadro que foi doado ao grupo que produzimos e publicamos o livro “ Piracicaba, 1964: a ditadura militar no interior”. Na noite do lançamento ele foi sorteado entre aqueles que haviam antecipadamente adquirido a publicação, o que realmente viabilizou sua edição. Desde então, sem que tivéssemos acompanhado seu destino, passou por várias mãos e hoje, ao ilustrar o texto que deveria ter circulado na série especial, lançamos uma pergunta: você sabe onde essa pintura se encontra? Quem é seu proprietário? É possível a reencontrarmos e recuperá-la?
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Dez anos atrás, a agenda política ainda não dava prioridade à questão ambiental. Menos ainda aos indígenas, os chamados povos originários. Mas, talvez, a imagem que mais caracterize o lançamento do livro “Piracicaba 1964: o golpe militar no interior” seja uma pintura do artista Rocco Caputo. A pintura faz pensar de forma corajosa o que, hoje se sabe, aconteceu durante a ditadura militar com os povos indígenas brasileiros. Antecipava, pela força de sua imagem, dados que nos últimos 10 anos comprovaram a crueldade do regime militar no abandono, perseguição e total desrespeito aos índios brasileiros.
Embora a Comissão Nacional da Verdade já tivesse dedicado um capítulo à questão indígena em seu relatório de 2014 – 8.350 índios teriam sido assassinados entre 1946 e 1988, embora especialistas contestem a estimativa dizendo-a subestimada – com certeza teve mais repercussão a abordagem do tema, em 2019, pela National Geographic: “De 1974 a 1983, grandes obras na Amazônia serviram de pretexto para genocídio [de indígenas] cometido pelo regime, por meio de bombardeios, chacinas e destruição de locais sagrados.” A longa reportagem trouxe inclusive declarações de militares na época de abertura e construção da BR-174 (Rodovia Manaus-Boa Vista, que interliga os estados de Mato Grosso, Amazonas, Rondônia e Roraima): “O general de brigada, Gentil Paes, assinou o seguinte ofício em 1974: ‘Esse Comando, caso haja visitas dos índios, realiza pequenas demonstrações de força, mostrando aos mesmos os efeitos de uma rajada de metralhadora, de granadas defensivas e da destruição pelo uso de dinamite’.”
Há que se destacar, para fixar de forma clara o que aconteceu no governo militar, o livro “Os fuzis e as flechas – história de sangue e resistência na ditadura”, de Rubens Valente, publicado em 2017. Com acesso a documentos do fundo secreto da FUNAI (só liberado em 2012), o livro comprova mortes dos índios por epidemias não controladas e até mesmo a criação de prisões em Minas Gerais, qualificadas como verdadeiros campos de concentração de indígenas. E por mais difícil que se possa imaginar, também um sistema de espionagem implantado em algumas aldeias para que os militares pudessem acompanhar o cotidiano de líderes indígenas e missionários.
Atualmente, depois do escândalo internacional do governo Bolsonaro com relação a deixar sem assistência os yanomamis – a morrer pelas epidemias e pela fome -, permitir a grilagem de terras na Amazônia e facilitar o garimpo ilegal, o país conta com um Ministério dos Povos Indígenas, criado em 2023, dirigido por Sonia Guajajara, indígena do povo Guajajara/Tentehar e apontada em 2022 entre as 100 pessoas mais influentes do mundo por sua luta. Segundo o censo o IBGE, em 2022 o número de indígenas residentes no Brasil era de 1.693.535 e 51,25% deles viviam na Amazônia Legal. Em 2023, registros oficiais do Ministério da Saúde indicaram a morte de mais 363 yanomamis, o maior número desde 2018 – o governo garante que houve subnotificação nos anos anteriores.
Quem são eles? E como ainda sobrevivem?
Nota dos editores: caso você saiba onde se encontra a pintura de Rocco Caputto, por favor entre em contato conosco pelo email: engenho.diario@gmail.com ou em nossas redes sociais no Instagram e Facebook.
Beatriz Vicentini é jornalista e coordenadora/editora do livro “Piracicaba, 1964 – o golpe militar no interior”. Em parceria com o Diário do Engenho, editou esta série para o site.
Triste texto,muito bem escrito