A Oiko Nomos arruinada
Prof. Dr. Francisco Constantino Crocomo
Economia: do grego Oikos (Casa) e Nomos (Organização).
Organização da casa.
Ciência eminentemente humana e social.
Nas vésperas de final do ano, fui entrevistado por um jornal de minha cidade, Piracicaba, para comentar os cenários da economia brasileira em 2019. Resolvi mencionar os requisitos para haver crescimento e desenvolvimento, claramente necessários para enfrentarmos os desafios que nos são colocados. Citei a importância da participação da sociedade nas decisões referentes às medidas a serem tomadas, a relevância da incorporação das questões internacionais prementes para o desenvolvimento sustentável, com atenção ao meio ambiente e também ao comércio exterior. Também falei da necessidade da reforma política, administrativa e tributária, alternativas para a ocorrência de investimentos públicos e privados, com melhoria no nível de emprego na nação. Estes são claramente aspectos óbvios para um bom governo, desafios que, se enfrentados, deixariam boas marcas para qualquer um que estivesse à frente do Brasil.
Acontece que o governo recém-eleito não apresentou nenhuma proposta neste sentido até então e já inicia suas atividades com medidas totalmente diferentes àquelas que mencionei na entrevista. Alguém pode chamar a atenção: “Mas era de se esperar!…”. Para um leitor atento, meu propósito foi justamente o de destacar os pontos importantes que certamente não fazem parte das ações a serem tomadas pelo governo eleito. Minha intenção e esperança foi a de alertar grande parte da população demasiadamente otimista, muitos com certeza ludibriados com a “magia do crescimento e desenvolvimento maravilhoso a partir do primeiro dia de 2019”. Portanto, espero chamar a atenção para que as expectativas sejam, no mínimo, mais realistas.
Agora com o novo governo em ação, preparei uma pequena reflexão que trata da verdadeira função da Economia e seus recentes percalços no Brasil. A organização da casa exige sabedoria, especialmente de gente ao lidar com gente de diferentes formações, concepções e comportamentos. A casa em sua diversidade requer essa sabedoria, que consiste na produção e distribuição de bens e serviços de maneira equilibrada, justa e sustentável, ou seja, respeitando o meio ambiente natural e humano.
Em termos técnicos, podemos afirmar que toda e qualquer nação deseja crescer e se desenvolver. Claramente o Brasil necessita deste crescimento, ou seja, obter maior Produção Interna Bruta (PIB), que resultará em maior demanda por empregos e aumento da massa salarial. Por outro lado, o maior desafio é o desenvolvimento, que consiste na melhoria das condições de sua gente, especialmente na saúde, educação, distribuição de renda, meio ambiente e diminuição da grande desigualdade de renda.
Neste contexto, a participação da gente do governo é o principal requisito para o sucesso desta organização – tarefa complexa, pois exige o acolhimento histórico, antropológico e cultural, o equilíbrio nas relações internacionais e tantos outros aspectos ligados à formação e ao comportamento humano.
Nossa casa Brasil, desde sua construção, sofre com problemas em sua organização, explorada como colônia a serviço dos grandes capitais. Essa exploração se efetivou com a distribuição desigual das terras e o total desrespeito ao nosso genuíno povo, os índios, culminando para a vergonhosa escravidão de “gente importada” da África.
Com maior incentivo à participação de sua gente, desde o início dos anos 2000, esses aspectos históricos, vinham sendo tratados em meio à resistência daqueles que se apropriaram deste modelo explorador. Alguns avanços foram atingidos em várias frentes. Entretanto o grande capital elaborou sua estratégia para que o modelo explorador volte à tona, desta vez travestido de “fé”.
Neste contexto nossa casa Brasil vem sendo desorganizada desde 2016, com o impeachment de Dilma. Essa desorganização vem se dando por meio da “reorganização” da economia brasileira em prol do grande capital, agora desvendado e escancarado nas denominadas bancadas: a do boi (ruralista), a da bala (ameaças a qualquer oposição) e a da bíblia (a tal travestida “fé”). Hoje estes três B’s concentram o grande capital.
No desgoverno de Temer pseudoreformas foram aprovadas, com o intuito de apagar nossa melhor parte da história: as conquistas sociais. Quebraram-se as relações trabalhistas, educacionais e toda a flexibilidade para gastos com educação, cultura, tecnologia, saúde, meio ambiente (vide a PEC dos Gastos). Só faltou o governo Temer conseguir a aprovação da ‘reforma da previdência’, que erroneamente e insistentemente é escolhida como prioridade, pois o gasto com previdência é considerado o maior problema da economia brasileira. “Com essa reforma o Brasil, como num passe de mágica, crescerá e desenvolverá!” – visão estreita e que faz coro à proposta do grande capital.
Com a eleição de 2018, essa organização explicada vem então sendo efetivada, ou seja, a ameaça passa a ser realidade. Decretos e outras imposições já vêm sendo implementados com maior rapidez do que poderíamos imaginar. A agilidade ocorre no vácuo do recesso do poder legislativo.
O discurso, que prega respeito à constituição e diálogo com o congresso, não passa de retórica. A estratégia está montada, eles estão no controle. Os ministérios são ocupados por gente fiel à causa dos três B’s.
O “superministro” da Economia, Planejamento, Indústria e Comércio – e tantas outras áreas, inclusive uma parte do Ministério do Trabalho -, estabelecerá politicas de arrecadação por meio de privatização e venda de ativos públicos. A intenção é acabar com a dívida pública. Entretanto, este não apresenta nenhuma proposta para que ocorra de fato crescimento do Brasil, via implementação de investimentos públicos e privados. É importante realçar que não existe nenhuma proposta para realizar exames detalhados nas gestões no setor público e verificar se as privatizações e outras medidas não irão amputar papéis vitais do setor público (incluindo o Sistema S, que deve sofrer cortes de 30 a 50 por cento nos seus gastos), ou seja, destruindo programas fundamentais na qualificação e culturalização do povo, além de aumentar o já grande contingente de desempregados no Brasil atual.
Desta forma, a participação da sociedade nestas decisões será nula. E as pseudorreformas já estão aí e ainda serão pioradas. Um exemplo de proposta deste “superministro” é a ‘carteira verde amarela’, que transforma o emprego formal em informal. Ele afirma, que “quem escolhe é o trabalhador”, mas isto é somente conversar fiada, afinal o empresário sempre terá mais voz que o funcionário. Outro exemplo é a transformação da previdência pública em previdência privada, algo que poderá ocorrer também na educação e em outras áreas. Assim, o Liberalismo Econômico vai se implementando com o que tem de pior.
E as “canetadas” – utilizando canetas Bic! – já estão sendo realizadas, o que era de se esperar. Todas atendendo as bancadas dos três B’s.
Nesta “organização da casa”, não existe gente e sua diversidade, não existe história, não existe cultura, educação e muito menos meio ambiente. Mas tudo será realizado em nome de “Deus e da família”. Qual Deus e qual família?
Crescer? De que forma?
Desenvolver então? Nem pensar.
O que faremos?
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Francisco Crocomo é economista, professor universitário e escultor.