A conjuntura política nacional instaurada após a concretização do golpe parlamentar de 31 de agosto de 2016 – que derrubou o governo petista presidido por Dilma Roussef – e a linha política defendida pela direção governamental e a direção do partido dos trabalhadores – aplicada nos diferentes combates/etapas na luta contra o golpe, e continuada após o golpe, que caracterizaremos como tática política institucional, isto é, confinamento da luta política nos limites imposto pela “legalidade” do regime político democrático-burguês – há que reconhecer de modo aberto os caracteres gerais da conjuntura política.
Os efeitos político-práticos de tal tática aplicada pelo PT até o momento produziu, a priori, efeitos políticos positivos de mobilização difusa de setores constitutivos das classes trabalhadoras, como pode ser depreendido de vários elementos sintomáticos: pesquisa de opinião eleitoral; atos moleculares, por exemplo, os chamados lulaços.
Por outro lado, deram origem a efeitos negativos: os limites da tática política institucional encetada pelo PT – cujo componente ideológica mais forte é o legalismo pequeno-burguês (=crença no Estado como autoridade neutra e justa, árbitro dos conflitos sociais, políticos e econômicos), que corresponde a uma concepção ideológica mais ampla do que seja o conteúdo da luta política e do Estado na sociedade brasileira presente: sociedade capitalista periférica dependente.
Importa destacar que a adesão a essa variante ideológica de classe na prática política do partido dos trabalhadores é a correspondente político-prática do duplo efeito das estruturas do Estado e do direito burguês sobre o campo da luta política das massas trabalhadoras: o burocratismo e igualitarismo jurídico-burguês.
O igualitarismo jurídico burguês produz a ilusão real, a partir da instauração da figura ideológica do “indivíduo-cidadão”, a neutralização potencial do reconhecimento da situação socioeconômica de classe distinta no interior do coletivo social dos trabalhadores assalariados não proprietários.
O burocratismo burguês produz a ilusão real, particularmente sobre o campo das classes trabalhadoras, de que o a burocracia estatal encarnaria efetivamente o mito da vontade geral popular, supostamente consagrado/ revelado na dinâmica do sufrágio universal, expresso na vontade da maioria eleitoral.
A combinação desse duplo efeito no plano individual anula a necessidade prática da atividade política coletiva independente dos trabalhadores. Porém, mesmo superado relativamente o efeito limite de individualização no seio do campo das classes trabalhadoras, tais ideologias tendem a desviar sistematicamente a ação política coletiva dos trabalhadores na direção da luta política estrita e exclusivamente institucional: luta parlamentar, luta nos tribunais.
Podemos dizer, numa formula sintética, que o predomínio permanente da luta “política” institucional dos trabalhadores e o esvaziamento da luta política supra-institucional dos trabalhadores, demarcando o fato de que nessa situação os trabalhadores, suas organizações se encontram submetidos ao comando, no plano da luta, do direito burguês e não de um programa de luta política autônoma dos trabalhadores.
Considerado estes pressupostos, expomos sumariamente nossa linha de intervenção política:
Tese – A luta política que se abriu com a concretização do golpe parlamentar de 2016 deve ser analisada de um ponto de vista de uma luta prolongada, isto é, que imporá a necessidade de construir, acumular forças (organizativas de massa) no sentido de deslocar a primazia da luta política do plano institucional para o plano supra institucional, como condição para uma vitória política estratégica das classes trabalhadoras de efeitos políticos, sociais e econômicos prolongados.
Defendemos diante da conjuntura eleitoral que a direção do partido dos trabalhadores, em função de sua posição estratégico no jogo eleitoral nacional, deve levar até o limite/crise a institucionalidade burguesa no contexto da luta eleitoral: isto é, a manutenção da candidatura Lula, a fim, não de reforçar a ilusão jurídica e burocrática nas instituições do Estado, mas, ao contrário, colocá-lo em crise de legitimação social, ao barrar definitivamente a candidatura Lula, procurando extrair os efeitos politizadores no interior das classes trabalhadoras.
Em suma, politizar a conjuntura política eleitoral, para além do limite da “legalidade burguesa” (= anti-política das classes trabalhadoras); pois que não há legalidade burguesa, o que há é a política burguesa praticada por outros meios/ os tribunais.
Entendemos que, caso o PT retire por “sua vontade” a candidatura Lula, em favor de um substituo, os efeitos políticos tendem a ser desmobilizadores no seio das classes trabalhadoras, e não se poderá acumular forças para a sequência da luta política, pós-eleições, independente do resultado das urnas.
Tanto na hipótese “otimista”, vitória eleitoral do PT, quanto na hipótese mais realista, derrota eleitoral: o fato principal é as condições, correlação de forças, da luta política após as eleições e na sequência da luta, que obviamente não são um resultado automático do tempo e do clima, mas depende da intervenção política organizativa das principais organizações dos trabalhadores: partidos, sindicatos, movimentos sociais etc.
Portanto, a luta política-eleitoral das classes trabalhadoras deve ser colocada num plano geral estratégico, como uma luta política de natureza tática, isto é, procurando avaliar quais as manobras e ações que permitam extrair dela o que de fato ela pode legar de mais avançado para a luta política prolongada das classes trabalhadoras, o que implica se desvencilhar progressivamente no plano teórico e, sobretudo, no plano da ação coletiva, das ilusões ideológicas reais da política pequeno-burguesa (=juridicismo/ legalismo/ republicanismo/ burocratismo, em suma,do fetichismo das instituições do Estado burguês – parlamento, judiciário, Ministério Público etc.) e colocar no comando das lutas a política das classes trabalhadoras.
Nota
Por classes trabalhadoras entendemos o conjunto dos produtores diretos assalariados e não proprietários, essa definição geral deve ser completa por um tratamento rigoroso, no plano socioeconômico – divisão capitalista do trabalho – trabalhadores manuais (classe operária; “trabalhadores da massa marginal”) e trabalhadores não manuais/ “classe média e suas distintas frações” – e no plano político, as práticas organizativas, formas de luta, objetivos táticos e estratégico particulares.
Gustavo dos Santos Cintra Lima – Prof. de Sociologia.