A Praça José Bonifácio era outra e o cidadão ainda podia, durante o período noturno, ficar sentado em bancos até altas horas da madrugada. Não existia essa configuração atual, com a interrupção na Rua São José, e era permitido à passagem sem o contorno da Praça. No sentido da Rua Boa Morte, existia o Cine Politeama e, ao seu lado, a Bomboniere Passarela, a Escola de Comercio Cristóvão Colombo e a Pastelaria do Lee.
No velho Cine Politeama aprendi a admirar músicas e filmes, e ainda muito jovem conheci um funcionário do cinema, de nome Sidnei. Todas as tardes a sessão se iniciava às 14h30, e eu assistia gratuitamente ao filme em troca de ajudar Sidnei a varrer os papéis de balas e chocolates que o público deixava cair ao chão. Também trabalhavam nesse cinema, além do bilheteiro, um projecionista e um “lanterninha” (que usava uma lanterna para encaminhar as pessoas aos seus lugares – sendo, na maioria das vezes, mais odiado pelos frequentadores do que respeitado).
Às vezes, em meio à projeção, acontecia do filme parar (as fitas eram de celuloide e, quando muito aquecidas, rompiam-se ou quebravam, fosse por algum defeito ou por terem sido muito manipuladas). Em sinal de protesto acontecia a maior gritaria, até que uma pequena luz na sala fosse acesa. Então, sempre surgia o “lanterninha” para colocar ordem na casa. Às vezes ele extrapolava suas funções quando, por exemplo, um casal estava se beijando um pouquinho mais ou exagerando nas carícias (por isso era odiado!). Numa tarde chuvosa de verão, o filme foi interrompido bruscamente e a luz demorou parar se acender. Foi uma gritaria que só vendo e ouvindo. As pessoas batiam o pé, assoviavam, achincalhavam e os mais espertos ou espertas, em meio ao escuro e algazarra, aproveitaram para se “bolinarem”.
“O “lanterninha” não se fez de arrogado, acendeu seu “farolete” (nome também usado para lanterna) em cima de um sujeito entusiasmado que batia o pé e assoviava a todo pulmão. Mostrando sua autoridade “focal” e “iluminada” aos berros, o “lanterninha” gritava no mais puro dialeto caipiracicabano: “Assovéia, assovéia seu podô de defeito”. E o pobre do sujeito saiu envergonhado e às pressas da sessão – sob risos e gozação dos demais – sem entender direito que, no caipiracabanês do lanterninha, “podô” é o mesmo que “colocadô” de defeitos.
Assim era o Cine Politeama. Antes da projeção, tocava-se uma seleção de grandes músicas que ajudavam o espectador a preparar-se para o filme. Nas tardes chuvosas de verão, atualmente, “bate” uma saudade dos velhos tempos que felizmente voltam sempre com toda intensidade em minha memória.
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João Carlos Teixeira Gonçalves é professor nos Cursos de Comunicação da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) e consultor em Comunicação & Marketing de Empresas.
(foto histórica: www.aprovincia.com.br)
João Carlos, que bom ler o seu artigo que acende lembranças. Comecei a frequentar o saudoso Politeama na época da sessão zig-zag (muito Tom & Jerry projetado na telona), muito cigarrinho de chocolate, amplamente politicamente correto, bala tofee com cobertura de chocolate , ambos da PAN, comprados no Passarela e o primeiro filme que assiti junto a uma namoradinha (Elvis on tour), além das maratonas Os Dez Mandamentos , Sansão e Dalila e , finalemtne, Marcelino Pão e Vinho.
Pouco importa que tenha sido desinteresse da familia que tinha as melhores salas (imbatíveis até hoje) de cinema de Piracicaba ou mesmo a inviabilidade causada pelos VHS. Fato é que quando os cinco cinemas do centro de Piracicaba fecharam, a Praça José Bonifácio , especialmente, sofreu seu “assassinato” só agravado até chegar onde estamos hoje.
Não sou passadista mas disso eu tenho saudade.