O mal é a sombra que sufoca (para Elon Musk)

O mal é a sombra que sufoca (para Elon Musk)

(Para Elon Musk)

“A mentira constante não serve apenas para enganar,
seu verdadeiro propósito é o de destruir
a própria noção de verdade, pois quando um povo
não consegue discernir entre o real e o falso,
também perde a capacidade de distinguir
entre o bem e o mal,
e um povo que já não acredita em nada
pode ser levado a acreditar em qualquer coisa,
e assim, nesse estado de submissão silenciosa,
pode-se fazer dele o que se queira” (Hanna Arendt).

O mal é um ensombrecimento, que mistura as formas
e nos impede de ver com clareza, e confundimos
as folhas e os galhos das árvores, e já não sabemos
se são pássaros ali pousados
ou câmeras de segurança vigiando, se ouvimos seus pios
ou se são alarmes de bancos, se o que voa
são passarinhos, ou drones que bombardeiam a vizinhança,

o mal é essa sombra que sufoca, mas ele é feito de homens
que têm dentro de si essa mesma forma escura,
de tal forma que olham para si, mas não se enxergam,
enxergam apenas o vulto das correntes que os aprisionam
e as confundem com o supremo bem, com a virtude,
com a justiça, que não sabem o que é,

e a trocam pela mera lei, que já não traduz a condição humana,
mas responde apenas aos negócios, sabem como é,
business as usual, se diz assim,
para que o novo normal resista às tentativas
de re-humanizar a humanidade,
de nos tornarmos o que viemos aqui para ser,

num mundo que foi feito de maravilhas, roubadas que foram
para enfeitar salões e túmulos, museus
dos esforços de se criar o belo, sequestrado
para o deleite de ignorantes, que o pregam às paredes
nas galerias de troféus do medonho genocídio
em que se transformou a realidade,

e que transborda hoje, das classes mais abastadas
até o último homem, aquele que não tem nada,
mas que odiar sabe, e odeia igual, e com a mesma fome
de morte, vingança e assassinato, contra quê?, contra quem?, e por qual motivo,
senão o de matar, simplesmente matar, porque
a vida incomoda, e é preciso não deixar viver,

é preciso celebrar a morte do outro, nunca a própria,
para que sobre mais espaço, mais tempo e mais comida,
até que não reste mais do que uma dezena
de seres, perdidos entre a inteligência artificial que criaram
e os seres robóticos que os vestem e alimentam,

até que morra o último deles, envenenado
pelo penúltimo, envenenado
pelo antepenúltimo, envenenado
pelo trás-antepenúltimo,
e assim por diante, até que o veneno todo
seque sobre a terra, e uma planta nasça,
e com ela o belo retorne, ainda que já não existam
mais homens, nem mulheres, para vê-lo.


Tito Kehl é arquiteto, escritor e presbítero pela Ordem Hospitalar Sanjoanita. Autor de diversos livros, publicou em 2023 – pela editora Terra Redonda – o livro “Poemas ao Deus Desconhecido”.

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