Dia 08 de março. Dia das Mulheres.
Filha.
Hoje você verá propagandas em que flores e bombons são distribuídos e é provável que, ao almoçarmos no restaurante por quilo, perto de casa, alguém nos dê parabéns e nos presenteie com algum mimo. É possível ainda que apareçam mensagens na internet e na televisão falando da delicadeza e força femininas, misturando rosas com sapatos de salto alto, unhas vermelhas com celulares brilhantes. Acredito que você achará bonito e sedutor (quase um desenho de princesas), mas a verdade vai além dos tons de rosa (e cinza!).
Sinto te informar, mas a mulher em nossa sociedade não tem o mesmo valor que o homem. Nós, mulheres adultas, temos salários mais baixos. Sabe o que isso significa? Que a gente trabalha tanto quanto um homem, mas recebemos menos dinheiro no fim do mês. E isso não acontece só no Brasil. Para você ter ideia, em pleno 2015 uma atriz, ao ganhar um prêmio muito importante, pediu por salários e direitos iguais e causou furor na imprensa mundial.
Mas afinal por que isso acontece? Porque existe uma coisa chamada machismo e isso é justamente aquela ideia de que as pessoas do sexo masculino automaticamente estão num patamar mais elevado que as demais. E quando digo mais elevado, entenda repleto de regalias duvidosas, mau gosto e violência. Porque o machista não se contenta em ser melhor, ele precisa oprimir, diminuir os outros como se o centro do universo girasse em torno dele. É como se a vida da mulher fosse atrelada a do homem e tudo o que ela faz, pensa, diz , veste e usa fosse para e por ele. Falando assim parece fácil identificar esse monstro, mas não é.
O machismo-nosso-de-cada-dia é sorrateiro, sutil e muitas vezes passa despercebido. Quando você fez o cartão de aniversário para seu colega da escola e aqueles dois meninos falaram ‘Cartinha de amor! Ela quer namorar você!’, eles foram machistas porque simplesmente ignoraram que uma menina pode querer ser apenas amiga de um menino. Quando você se ofereceu para jogar dama com o aluno novo e sua colega soltou o famigerado ‘Tá namorando!’, ela também foi machista; quando alguém pressupõe que, por ser menina, você tem mais amigas do que amigos, essa pessoa é igualmente machista porque acredita que mulher só se aproxima do homem quando tem interesses amorosos(ou seja: namorar, casar etc).
O machismo-nosso-de-cada-dia se esconde na reação do menino que se sentiu humilhado por não ser tão veloz quanto à menina no pega-pega na hora do recreio. Ele permeia as justificativas infundadas de que uma criança pode ser mais agressiva porque é do sexo masculino e isso lhe dá o direito de empurrar e maltratar as colegas. O machismo-nosso-de-cada-dia está atrás dos discursos de que uma mulher só se realiza plenamente depois de parir. Ele vem fantasiado de elogio quando uma mulher é assediada. Ele se veste de falsa moral quando responsabiliza uma saia ou um decote por um estupro. O machismo-nosso-de-cada-dia está nos filmes e livros quando a mulher é retratada como alguém que necessidade salvação. Está estampado na prateleira da loja de brinquedos onde tudo o que é para menina está direcionado aos cuidados do lar, do corpo e da família. Ele passa por galanteio quando chamamos de linda uma menina que fez algo inteligente.
O machismo-nosso-de-cada-dia brinca de bom humor quando um homem descobre que será pai de um menino e brada ‘Segurem suas cabritas porque meu bode está solto!’. Ele se esconde atrás da proteção paterna quando considera a filha incapaz de escolher seus próprios parceiros. Ele se apresenta detentor de bons costumes quando dita normas e condutas de como uma mulher deve vivenciar sua sexualidade. O machismo-nosso-de-cada-dia está atrás de palavras como fragilidade para sugerir fraqueza, respeito para dizer submissão, virtude para falar pureza, consentimento como coação.
Por isso, minha filha, nesse Dia das Mulheres eu quero que você preste ainda mais atenção e afie suas palavras e atitudes. Lembre-se: hoje você não precisa de flores e glitter, você precisa de DIREITOS. Assim, quando for adulta, usará a roupa que quiser sem se preocupar se algum animal a atacará no meio da rua; terá amigos homens e não será rotulada de fácil ou mulher-macho; escolherá sua profissão sem se preocupar se isso é coisa de menina; será dona do próprio corpo e exercerá a maternidade se for da sua vontade; será reconhecida como cidadã e seu valor passará longe do número do seu sutiã.
E quando isso acontecer, você não precisará brigar por salários igualitários porque seu holerite será simplesmente o reflexo de seu empenho e capacidade ao invés da sombra daquilo que os machistas têm entre as pernas.
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Sílvia Bujokas.
Olá Sílvia Bujokas,
Parabéns pelo excelente texto, com conteúdo denso e crítico, refletindo com clareza sobre uma situação que está longe de ser suplantada. Infelizmente o sexismo persiste em quase todas as esferas e instituições. Penso que a ponderação crítica, contundente consiste em um caminho de resistência.
Cordialmente,
Oi Adelino!
O sexismo ainda persiste, mas como mãe prefiro acreditar que mostrando igualdade, ensinando o que é machismo e noções de sororidade, teremos um futuro mais animador.
Obrigada pela leitura!