Num futuro não muito distante, mas que suficientemente permita uma leitura um pouco mais afastada das paixões e dos calores das colorações partidárias de agora, a História certamente registrará em seus livros a trajetória decadente e mesquinha do jogo político que alicerça o Golpe de Estado sofrido hoje, 12 de maio de 2016, pela presidenta Dilma Rousseff (PT).
Travestido de impeachment, o Golpe de 16 (talvez assim seja ele chamado futuramente) repete os tons e os matizes do Golpe Militar de 64 ˗ excetuando˗se no cenário atual, ao menos até a presente data, o uso das forças militares na deposição do governo. Afora isso, o Golpe que assistimos neste dia 12 de maio carrega consigo muitas das cores já vistas em outros trágicos Golpes sordidamente aplicados na América do Sul.
Assim, vemos que sob a égide do ódio aos movimentos de esquerda, a classe média brasileira (que ingenuamente quer ser reconhecida como burguesia ascendente, mesmo sem ˗ na essência do termo ˗ o ser) levou às ruas deste país os mesmos movimentos que ela já havia levado às ruas nas vésperas do golpe anterior, o de 64. E, tal como nas vésperas do golpe de 64 , encheram˗se as avenidas brasileiras de infinitas “marchas com Deus e pela Família” e exaltaram˗se em “importantes” revistas nacionais as virtudes da “verdadeira mulher da família brasileira: bela, recatada e do lar”.
Nesse campo de semelhanças, não faltaram também o apoio dos jornalões da grande mídia (O Globo, Folha, Estadão e tantos outros) que, tal como em 64, conduziram a opinião pública a execrar um governo legitimamente eleito. Tal como em 64, também os empresários investiram pesado na artilharia contra o governo a ser deposto, gastando milhões em publicidade contra a Presidenta Dilma (haja vista apenas o valor das peças publicitárias publicadas pela FIESP nos jornalões do Brasil), repetindo assim também o apoio prestado por eles em 64.
Nesse cenário fáustico e cíclico, não faltaram ainda pedidos ardorosos pela presença dos militares ou por intervenção americana. À porta do inferno (ou seria melhor dizer “dos porões do inferno”?), Bolsonaro e a bancada da bala exaltaram no congresso, quando do “julgamento” de Dilma, a memória de um dos mais cruéis assassinos e torturadores de 64 ˗ bandido esse ao qual esse editorial, por nojo, recusa˗se a nominar.
À moda de 64, o Golpe de 2016 não quer ser apontado como Golpe. Tal como em 64 (quando os militares e os jornalões diziam que o Golpe não era Golpe, era Revolução), a imprensa antigoverno e antidemocracia insiste em legitimar o impedimento da Presidenta, negando o uso da palavra Golpe e inculcando na população a ideia de que a queda do governo ocorreu dentro da legalidade. Ora! Qualquer pessoa um pouco mais atenta e que tenha assistido às plenárias no Congresso e no Senado sabe que a Presidenta foi condenada por tudo, menos pelo motivo real pelo qual seu processo foi aberto.
Moderno, o Golpe de 2016 se constitui assim com ares de legalidade e legitimidade. Mas é Golpe. E, como Golpe, coloca no poder uma fileira de derrotados nas últimas eleições. No governo golpista, ao qual este editorial nunca reconhecerá como governo legítimo, estarão aqueles que as urnas, há mais de 12 anos, insistem em negar a entrega do Planalto: PSDB, DEM, PMDB, José Serra, Aécio e outros.
Jogados no lixo os 54 milhões de votos da Presidente da Dilma, tomando de assalto o direito constitucional da população escolher seu representante maior, a oposição toma o poder! Derrotada nas urnas e liderada por traidores que, eleitos como “vices”, articularam a queda fatal de seus superiores, a oposição toma o poder! Golpe! Carregando a bandeira do fim da corrupção (mas vejam só quem vai combater a corrupção!), da construção de uma ponte para um “novo Brasil,” os golpistas da velha direita brasileira abrem as portas dos bueiros do país para saírem deles e assumirem, à revelia, um país que nunca os quis no poder.
E não é preciso gostar de Dilma ao aprovar seu governo para entender isso. Não é preciso negar os erros da Presidenta para perceber que um Golpe de Estado foi dado. Não se quer aqui absolver ou diminuir equívocos e ações infelizes realizadas ora aqui, ora ali pelo governo Dilma. Não. Até mesmo muitos e muitos não eleitores de Dilma são contra o o Golpe, pois, justamente por serem críticos, não querem pactuar com um Golpe de Estado nem entrar para a História de maneria tão sórdida.
Triste dia para o Brasil.
Registremos a história.
Registremos o Golpe de 2016 que ora se dá.
Excelente!!! Parabéns!!!
que vergonha e injustiça!!!!
Texto de análise lúcida, com abordagem profética.
É preciso antes de tudo coragem, para em terras de agronegócio, tecer comentários tão contundentes das novas mazelas de nossa história.
Lúcido, corajoso.
Obrigada, Alê.