O Feiíssimo e seus comediantes

O Feiíssimo e seus comediantes

37a sessão ordinária da Câmara Municipal (20/6). Um vereador. A inscrição na camiseta: “Deus, Pátria, Família” – pronto: “O Feiíssimo”. O lema integralista me trouxe o dito cujo. E, com ele, a lembrança da passagem abaixo – histórica.

O dito cujo: “o sr. Plínio Salgado, há pouco tempo, esteve na Europa, em viagem paga pela Embaixada do sr. Mussolini no Brasil. Encontrou-se o autor várias vezes com o chefe integralista em Paris. Acompanhou-o em mais de uma situação ao Glace, café de mulheres nuas que pegam o dinheiro de uma maneira toda especial. O sr. Plinio Salgado sentia-se tão a gosto no Glace que virou frequentador. Popularizou-se logo e as pobres garotas lhe puseram um apelido: Letoutlaid (o Feiíssimo). Ao fazer esta anotação está o autor a pensar no sucesso que certamente causará entre a Lili, a Mimi, a Jeannette e a Manon a notícia de que Monsieur Letoutlaid está transformado em defensor da santa moral católica no Brasil.”

A passagem está em: “Hitler e seus comediantes na tragicomédia: o despertar da Alemanha”, José Jobim (Ed. Topbooks,2022, pág. 59,). E o que dizer do anfitrião, o sr. Mussolini, que recebeuo “discípulo”, o sr. Salgado? Ouçamos a menina Ceccato, uma de suas amantes: “Ela está no sétimo céu. Estão distantes os tempos em que ele a obrigava a abortarnas mãos de uma parteira em um hotelzinho na Ligúria, em um lugar na costa na baixa temporada” (M, o filho do século, de Antonio Scuratti, Ed.Intrínseca, 2019, págs. 162).

E Jobim, que também foi diplomata no Paraguai, inadvertidamente comentou em uma roda de conversa, na posse do general Figueiredo, que pretendia escrever um livro sobre a corrupção na construção de Itaipu, era março de 1979. Dias depois seu cadáver foi encontrado, pendurado pelo pescoço e com sinais de tortura, a polícia não apurou nada, a família não desistiu – em 2018 a certidão de óbito de José Jobim foi alterada para: “morte violenta causada pelo Estado brasileiro”. No Paraguai, mandava o ditador Alfredo Stroessner que, para além da propina de Itaipu, tem entre seus títulos, o de “pedófilo reiterado”, teria violado mais de 1600 crianças (https://agorarn.com.br/ultimas/7-fatos-sobre-o-ditador-e-pedofilo-reiterado-elogiado-por-bolsonaro/). O ditador foi elogiado por um ex-presidente brasileiro que, por sua vez, foi homenageado pela mesma Câmara piracicabana, que por 14 votos a 3, aprovou a Moção  “De apelo ao Excelentíssimo Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para que no uso de suas atribuições, paute com urgência do PL1904/2024 por se tratar de matéria de relevância ao tema, vez que trata de crime grave e de proteção ao nascituro”, o “PL do estuprador”. “Feiíssima” noite, “Feiíssimo” tudo.

Olhar para o presente, a partir do passado, me ajuda a entender por que não escutei os apelos por urgência – para vacinas na pandemia, para água potável para as crianças Yanomami, por que não a escuto a cada criança negra assassinada… – entender porque, para usar as mulheres para fins eleitoreiros, bastam 23 segundos. E dá-lhe tragicomédia!

Agradeço ao vereador José Everaldo Borges e às vereadoras Silvia e Rai, pelos votos contrários à aprovação. Silvia e Rai, um agradecimento especial – por enfrentarem a misoginia, mantendo coerência na força e na voz. Destaque especialíssimo para você, Rai – que à carga ainda soma o preconceito, o medo e a dor pela ameaça de estupro e morte.


 

Sergio Oliveira Moraes é físico e professor aposentado ESALQ/USP

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