O dia seguinte ao golpe parlamentar que depôs a presidente eleita Dilma Rousseff, do PT, teve um gosto mais amargo do que muitos golpistas poderiam supor. A polarização nacional entre os que eram contra ou a favor do golpe impossibilitou uma comemoração menos animada por parte daqueles que almejavam o fim do governo Dilma acima de tudo – até mesmo acima da democracia. A manhã de carnaval, tão sonhada pelos golpista, tem hoje um ar nublado e de poucos festejos – mais parecido com a atmosfera de uma quarta-feira de cinzas.
A natureza desse cenário opaco certamente tem suas raízes plantadas na imoralidade do golpe – e em sua percepção por boa parte dos governos e da imprensa internacionais. Se em outros tempos os golpes de estado sucumbiam ao tenebroso breu dos calabouços e dos porões de ditaduras militares, hoje não mais se consegue passar incólume pelos olhares de repreensão por parte daqueles que, atentos aos desdobramentos da política mundial, encontram nas redes sociais e na mídia eletrônica um porto-seguro para a denúncia de ataques contra os direitos civis e a democracia.
Um rápida olhada pelos jornais do mundo revela que o golpe parlamentar sofrido ontem por Dilma Rousseff só não é registrado pela a chamada “grande” imprensa nacional. Ao redor do mundo, o cuidado da imprensa internacional ao tratar de tão triste episódio é visível. O ataque parlamentar às eleições diretas ocorrido ontem pôs o mundo e as grandes e pequenas nações em alerta. Nessa trilha, vários são os países que, até o momento, não reconhecem o governo golpista de Temer – e muitos são os jornais e canais de televisão que, minimamente, revelam apreensão com o que por aqui se passou. Apenas a “grande” imprensa brasileira, aliada aos golpistas e propagandista incansável da bandeira contra o governo de Dilma, tenta emplacar a ideia de que não houve golpe parlamentar, de que tudo transcorreu dentro dos ditames da justiça – e de que o golpe é uma criação (uma “narrativa,” como gostam de dizer) dos petistas.
Pior do que isso, os “donos da grande imprensa brasileira” querem agora inculcar na população o espírito apascentador daqueles que, pseudos-vencedores de uma guerra (travada a qualquer custo), arvoram-se a posteriori como arautos da paz, mensageiros da boa-nova. Lobos ontem, cordeiros hoje. Mas a História, felizmente, é implacável. E o tempo saberá apontar – a quem quiser saber um pouco mais sobre estes velados e sombrios dias – os lados de mais esse novo golpe sofrido pela ainda jovem democracia brasileira. Afinal, diante de catástrofes nacionais, não há como não se posicionar – e esse posicionamento tem sempre um preço.
O ônus da História recente do golpe militar de 64 já pesa há décadas sobre os jornalões do país – participantes vitais e fiéis colaboradores desse golpe -, e os livros de História não se esqueceram de registrar, para sempre, a vergonha dessa “grande” imprensa nacional em empreitadas a favor dos militares. Da mesma forma, a História também registrou o papel decisivo de tal “grande” mídia na manipulação da sociedade brasileira quando da eleição de Fernando Collor. E agora, ao longo desse (quase) novo e imenso capítulo de nossa trajetória nacional, quando lá estão novamente os velhos coronéis da comunicação brasileira a ditarem à nação a leitura que querem que o povo faça dos fatos, não nos esqueçamos de escrever e de igualmente registrar a infeliz sanha de quem controla a comunicação do país e determina o que vai ou não ser aceito pela opinião pública.
Sujeira, a gente vê por aqui. E a tela do dia seguinte ao golpe tem, assim, as cores imundas da “grande” imprensa brasileira a borrar a aquarela triste dos golpistas.
Parabéns, Alê.
Lúcido. Corajoso.
Abraço.
Parabéns pela clareza e sucinta análise!
Estimado Bragion,
Reflexão contundente, a nos fornecer uma leitura clara papel da mídia em todo esse processo de usurpação do poder. O pensar crítico ainda é uma caminho de resistência.
Abraços.