Thomas Mann talvez tenha sido o escritor que melhor retratou a Alemanha da Segunda Guerra Mundial. Exilado nos EUA, Mann jamais deixou de estar ligado ao universo alemão – mesmo durante a guerra – e suas famosas transmissões radiofônicas via BBC para a Europa, em meio ao conflito, são prova de que o escritor agia da forma como podia, apesar da distância territorial, no combate à ascensão do nazismo. Durante a Guerra, Thomas Mann escreveu também aquele que viria a ser um de seus romances mais celebrados: “Doutor Fausto” – narrativa centrada no pacto de um compositor de música erudita com o Diabo.
Inteligente, culto, perspicaz, vaidoso e muito sagaz, o Diabo de Mann em “Doutor Fausto” se assemelha ao próprio alemão que havia dado apoio e vazão ao nazismo – um sistema diabólico, fatal, desumano, genocida, crudelíssimo, mas que foi ilusoriamente erigido como uma “solução final” objetiva capaz de salvar a Alemanha de seu declínio (bobagem essa que muitos imbecis neonazistas ainda repetem por aí). No romance de Mann, em paralelo à vida real, o Diabo – semelhante ao alemão – é assim um conhecedor de música, de história, de filosofia, de teologia e sabe falar línguas variadas – apesar de dizer que o alemão é sua língua mais natural. Sua essência demoníaca não é, portanto, ignorante. O Diabo manniano é erudito – mas não deixa de ser o Diabo, claro. Ou seja, sua inteligência não o redime. E, ao final do romance, o Diabo volta para cobrar a sua parte do acordo.
Para Mann, talvez a atração do alemão pelo nazismo seja semelhante à atração de Adrian Leverkünn (a protagonista do romance) pelo Diabo – e vice-versa. Ou seja, Adrian pactua com um Diabo e dialoga com ele em pé de igualdade – o que faz com que o Demo também se revele um profundo conhecedor da alma humana, de suas paixões, de seus desejos e limites. Quer dizer – apesar de demoníaco, apesar de ainda Diabo – o Diabo alemão é inteligente e isso, de alguma forma, também atrai e meio que conforta a personagem para que realize seu pacto. Ironicamente, talvez possamos dizer que o alemão jamais pactuaria com o mal que, além de ser mal, é burro. Ou ainda possamos nos atrever a dizer que não há espaço para a estupidez, nem mesmo no mais diabólico pacto.
Tal como os alemães, os brasileiros de agora – em pleno XXI – resolveram revelar sua atração pelas forças demoníacas do mal. Negando sua imagem de povo boa praça, desfazendo seu automito de nação acolhedora e cordial, o Brasil enamorou-se do Diabo – e esse namoro se deu das eleições para cá. De maneira geral, apesar de sabermos que o mito da cordialidade brasileira é realmente um mito, talvez possamos confessar que – se não foi uma surpresa – o pacto do brasileiro com o Diabo foi uma grande revelação de seu lado odioso. Afinal, e de maneira geral, ao eleger o mal, o pais elegeu também suas forças mais terríveis, como: o combate às escolas e à educação, o combate aos artistas e aos professores, o ataque aos movimentos sociais, o ataque aos direitos humanos, o ataque aos menos favorecidos, o ataque à luta de gênero, o ataque à aposentadoria etc.
Associado a tudo isso, ainda somos obrigados a ver que o Diabo cultuado pelo Brasil é o Diabo mais burro que se poderia arrumar. Grosseiro de hábitos e de costumes, rude ao falar, estúpido no pensar, o Diabo brasileiro não passa de um burro, de um ignorante dos Diabos! Sua marca é a esculhambação. Seus anjos do mal adoram a web e mentem que estudaram em universidades fora do país – são ridículos em suas colocações, são limitados em seu conhecimento, são bestas de marca maior. São forças demoníacas que representam o mais baixo nível intelectual que se pode imaginar.
Em outras palavras, e metáforas à parte, o que queremos afirmar aqui é que surpreende o empenho do brasileiro em reverenciar a burrice, em aceitar o apagamento da História, em apoiar o fim da cultura, em valorizar quem questiona o conhecimento. Quer dizer, ao invés de pactuar com o Diabo para ter uma vida melhor em Terra, antes de arder no inferno, o brasileiro pactua com o Diabo para ser mais burro, mais ignorante e fazer da Terra e do Brasil um inferno de imbecis antecipado.
Vender a alma é coisa do passado. Agora a ordem parece que é entregá-la logo aos diabos todos – junto com o petróleo, as reservas naturais e as bases militares como a de Alcântara.
Inferno é pouco. Agora é a era da burrice infernal.
Excelente texto, Alê!
Gostei muito e revela o nosso lado mais sombrio. Um povo que sempre foi preconceituoso.
Per-feito, Alê. Redondo. Grande abraço.