O evento da ressurreição de Jesus, quando lido a partir de uma perspectiva teológica, em uma hermenêutica atenta e coerente à polissemia do texto sagrado, pode assumir diversos sentidos – sempre apontando para experiências de libertação. No contexto da Antiguidade em Israel, no território da região da Galileia, Jesus encarna e abraça os excluídos de seu tempo. A sua ressurreição sintetiza a escolha de Deus por todos aqueles que sofrem e são socialmente rejeitados.
A ressurreição alcança um sentido muito profundo e impactante: com Jesus Cristo, Deus assumiu, na história, de maneira inusitada e até desconcertante para os poderes estabelecidos, o lugar dos mais pobres. Essa é uma compreensão que muitas igrejas de hoje fazem questão de ignorar e esquecer. Em uma manobra de apagamento, típica do processo de construção do pensamento colonizado, primeiro Jesus é apresentado com todas as características físicas de um europeu, depois sua mensagem é esvaziada de seu sentido político e retirada de todo contexto mais crítico socialmente.
Por meio de uma pobre e rebaixada teologia do domínio, da retribuição e da prosperidade, o cristianismo tem sido apresentado como uma mera ideologia, que busca justificar e legitimar as mazelas sociais impostas pelo sistema capitalista. O desvio é tão grave e intenso que em muitas pregações religiosas, veiculadas exaustivamente na mídia por lideranças neopentecostais, o que se sobressai é o culto ao deus mercado – sobrando pouco ou quase nada da Boa Nova contemplada e anunciada pelo movimento de Jesus. A própria ressurreição, também esvaziada de seu sentido mais profundo e transformador, aparece apenas como um prêmio de consolação para justificar uma vida que acaba sendo reduzida a um rio de lágrimas. A ressurreição é apresentada, então, como uma mera promessa, um artifício ideológico para conter qualquer revolta diante de uma vida tomada por infortúnios.
Em uma concepção teológica libertadora, Jesus segue sendo crucificado em toda aquela vida que é demarcada pela pobreza e por processos de violência e exclusão, que insistem em negar a universalidade do princípio ético da dignidade humana. A via dolorosa e o calvário assumem uma representação real e histórica em tantas existências subjugadas pelos poderes econômicos, que buscam perpetuar no tempo a lógica de exploração e opressão. Em sua Paixão e Morte, Jesus Cristo passa a ser a voz, o símbolo e a representação de todos aqueles que sofrem opressões, tendo uma vida sem perspectivas nem possibilidades.
Na manhã do domingo de Páscoa, quem se levanta do sepulcro, rompendo com as nefastas forças econômicas e políticas a produzirem morte, é Jesus Negro, é Jesus Palestino. Agora Jesus é Preto, Jesus é também Palestino! Celebrar sua ressurreição no contemporâneo é assumir a causa de todos os viventes que têm sido covardemente banidos da terra, sofrendo a violência letal imposta pelos interesses do grande capital. O racismo quer impor para a população preta uma existência definida sob o signo da negação e da morte. Com seus direitos não reconhecidos, o negro é submetido a uma vida como via crucis, tendo o calvário como destino, em uma dinâmica social de perseguição e genocídio.
A ressureição de Jesus é metáfora viva das experiências humanas que apontam para uma existência histórica plena de esperança e possibilidades. Os condenados da terra são também os únicos portadores da Boa Nova, pois quando se unem trazem a força necessária para semear esse novo tempo – livre de todas as formas de opressão e exploração. A ressureição de Jesus é isso também: força revolucionária, que alimenta a utopia política da libertação, apontando para uma sociedade emancipada de todas as formas de racismo e preconceitos.
Adelino Francisco de Oliveira é professor no Instituto Federal de São Paulo, campus Piracicaba. Doutor em Filosofia e Mestre em Ciências da Religião.
Excelente texto! Parabéns, Adelino.