Mudou o Natal?

Mudou o Natal?

Há quanto tempo será que se repetem as reclamações de que o Natal mudou? Provavelmente, se houver um esforço, todo mundo se lembrará de alguém, desde sua juventude, já se lamentando que o Natal não é mais o mesmo. Talvez não seja bem assim. Natal continua sendo o que sempre foi: festa que encanta crianças e que os mais velhos – para não dizer idosos – esperam com tanta ansiedade quanto os pequenos. Lembra-se daquela boneca de sua infância? Como ela ficaria feinha se hoje você a colocasse ao lado das que suas filhas, sobrinhas outras crianças recebem. Mas nada fez você mais feliz. E a bicicleta, então?  Não tinha nenhum equipamento especial, nem aro de liga leve, nem faróis ou outros equipamentos especiais. Mas era tudo para transformá-lo no mais importante garoto de todo o quarteirão.

A árvore de Natal de sua casa era linda. Espere um pouco! A lembrança da árvore é que era linda. Porque ela não tinha realmente nada especial, não é mesmo? Era simples, quase sem nada, mas no seu mundo infantil brilhava, trazia todo o mistério possível, escondia segredos que só poderiam ser descobertos com muito esforço. E a lembrança que você guardou era de todos em sua casa, na noite de Natal, em torno de sabores que você nunca mais provou, de cheiros que nunca mais recuperou, todos juntos. É, ficaram as lembranças.

E tenha certeza, é assim que as crianças de hoje também sentem o Natal. Nem importa que a árvore seja realmente repleta de tecnologia, que as luzes se controlem por mecanismos fantásticos, que a neve se assemelhe à verdadeira, que apenas um presente tenha custado o que custavam, juntos, todos os que a sua família inteira trocava na sua infância. Não é isso que as suas crianças veem. Para elas é simplesmente Natal, realmente momento de alegria, de presentes, onde elas se apercebem de pessoas felizes, onde elas se sentem protegidas, acolhidas, dentro de um momento mágico, mesmo que já não existam histórias cheias de magia em um mundo de videogames de lutas e de guerras.

Mas se você olhar com cuidado, seus avós, talvez os pais e tios mais velhinhos, eles estão tão à espera do Natal quanto as crianças. Não, eles sabem que Natal não é um momento onde todos estão absolutamente felizes. Já viveram muitos Natais e esperam que este seja como todos os outros quando a família toda se reúne: com tensões latentes, mesmo que as risadas estejam no ar, mesmo que todos se abracem, mesmo que existam presentes cada vez em maior número. Reconhecem que nem todos gostariam de estar ali, nessa noite, e que muitos o fazem apenas para cumprir uma tradição. No fundo, temem que antes do final da noite alguém mais estourado diga uma palavra que não deva ser dita e o clima desande, precisando de outro alguém que tente acomodar situações. Mas eles querem o Natal de qualquer jeito. Querem a família em torno de si. Porque, tal como as crianças, precisam da proteção, precisam se sentir em um clima onde se sintam acolhidos, envolvidos por pessoas que saibam que se importam com eles e que têm, naquele núcleo, o que haja de mais importante, pelo menos naquela noite de dezembro. Sentem-se frágeis e emotivos, especialmente em datas como as de finais de ano. Vão ganhar meias, lencinhos, sabonetes, nem faz mal, eles querem apenas a ilusão de estarem junto.

Entre as duas pontas familiares, estão, na noite de Natal, os jovens, os adolescentes crescendo, os casais que ainda se julgam jovens. Alguns se esforçando muito para estarem ali, outros realmente sentindo prazer em voltar a dividir algum tempo com quem nem sempre é possível conviver, alguém sempre cansado pelo estafante trabalho de fazer funcionar uma ceia para a multidão que invadiu a casa e que deixará tudo uma sujeira, o mais crítico olhando aquilo tudo e pensando o quanto a vida passa rapidamente e quantos já se foram.

Não há família distante desse sentir, que é sempre negado, como se vergonhoso fosse que os jovens quisessem mais vida do que o pequeno ambiente familiar, que os pais estivessem divididos entre o estar ali e quererem ainda um pouco do futuro que fica cada vez menor e que poderia acontecer em espaços muito diferentes daquele, dos avós que a qualquer custo querem manter todos a seu lado e ofendidos se sentem quando alguém mais corajoso diz que irá viajar justamente no Natal.

Não mudaram os Natais, não mudaram as famílias, não mudaram crianças nem os velhos. Não por acaso Papai Noel, símbolo de todos os Natais, de todas as gentes, é velho, tem barbas brancas e traz presentes não para adultos, mas apenas para as crianças. Com certeza, para correr menos riscos de errar.

 


Beatriz Vicentini é jornalista.

 

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