Sérgio Moro, atual ministro da justiça e segurança pública de Bolsonaro e ex-juiz da lava-jato, esteve no centro do Roda Viva, na Cultura. A ausência de jornalistas envolvidos na Vaza-Jato no time que iria entrevistar Moro, fossem eles jornalistas do The Intercept Brasil (TIB) ou de outros veículos parceiros da série de reportagens que vem denunciando desde o ano passado os abusos da operação lava-jato, fez com que as redes sociais entrassem em ebulição na semana passada pedindo a presença desses profissionais. O pedido não foi atendido, mas os jornalistas presentes na bancada pegaram mais pesado do que se esperava com o superministro de Bolsonaro. No entanto, suas respostas foram, como sempre, evasivas, desconexas, cínicas, cheias de mas veja bem, tudo naquele adorável som de desafino que sua inconfundível voz possui. A equipe de jornalistas do TIB fez questão de acompanhar a entrevista no seu canal no Youtube, para quem quiser mais detalhes das mentiras e desculpas esfarrapadas do ex-juiz, vale a pena conferir. Minha intenção não é comentar o programa, e sim pensar um pouco a relação de Moro com o fenômeno que vem sendo chamado bolsonarismo no Brasil.
Alguns jornalistas e intelectuais já levantaram a bola de que o bolsonarismo seria maior que Bolsonaro. Em seu novo livro, Brasil: construtor de ruínas (Arquipélago, 2019), Eliane Brum defende a hipótese de que seja possível bolsonarismo sem Bolsonaro. Segundo ela, “a pessoa e o personagem Jair Bolsonaro deram nome e forma a este fenômeno que testemunhamos nascer e conquistar o Brasil.” No entanto, a autora diz suspeitar que, “pelo seu próprio conteúdo, o bolsonarismo vai muito além de Bolsonaro e, em determinadas condições, pode prescindir dele”. Eliane afirma que “o bolsonarismo é um fenômeno da democracia brasileira, de como ela foi fundada e de como se desenrolou, e é um fenômeno que ganha força pelo modo como o PT se tornou governo, no que fez de bom e no que fez de ruim”. Ela vai além, diz que sem lulismo é provável que não houvesse bolsonarismo.
Se aceitamos a hipótese de Eliane a respeito do fenômeno bolsonarismo, podemos nos perguntar quem seriam os candidatos a ocupar o lugar de Bolsonaro, uma vez que ele viesse a ser defenestrado ou, por qualquer outro motivo, viesse a perder a posição que ocupa hoje. Para mim a resposta é muito clara: Sérgio Moro é o candidato natural a essa posição. As pretensões de Moro de se tornar presidente do Brasil assombram o capitão desde o começo de seu mandato, talvez esse seja um dos motivos que teriam levado Bolsonaro a colocá-lo no bolso, ou melhor, no governo, debaixo do seu nariz. Mas parece que a estratégia não tem se mostrado exatamente favorável ao presidente.
As pesquisas têm mostrado que a popularidade de Moro segue maior do que a de Bolsonaro, mesmo após as denúncias da Vaza-Jato, as quais o ministro chamou de “bobageirada” no Roda Viva. Se bobageirada fossem, talvez o Ministério Público Federal não tivesse – vejam a coincidência! –denunciado o jornalista Glenn Greenwald por invasão de celulares dos agentes da força tarefa um dia depois da vaza-jato ter dominado boa parte da entrevista de Moro no Roda Viva. Ameaça? Vingança? Mais uma demonstração do pouco apreço que essa turma tem pela liberdade de expressão e pela imprensa?
Quando questionado sobre possível candidatura em 2022, Moro deixou clara sua intenção ao negá-la. Fez o que os políticos costumam fazer. Por sinal, para um ex-juiz que dizia não ter pretensões políticas, ele tem mostrado que possui todas as piores características dos maus políticos: mente de forma descarada, é cínico, afirma suas intenções negando-as, é vago, escorregadio e prolixo.
Depois dessa entrevista, mais do que nunca é preciso colocar Moro na roda sempre que formos discutir o cenário eleitoral de 2022. Também me parece importante revermos o nome que foi dado ao fenômeno que se materializa hoje no país. Chamá-lo de bolsonarismo pode criar ilusões a respeito da sua durabilidade e das consequências que ele terá na vida de todos nós. Não seria o caso de darmos nomes mais apropriados ao que vivemos? Principalmente depois do episódio que culminou com a exoneração de Roberto Alvim da secretária de cultura? O flerte do ex-secretário com o conceito de cultura do nazismo e seu plágio mal disfarçado de Goebbels não deveriam servir de alerta? Por que relutamos em aceitar que o fenômeno que hoje toma conta do Brasil é também uma cópia mal disfarçada de movimentos fascistas?
Nesse sentido, a pesquisadora Thatiane Oliveira propôs uma análise muito interessante acerca da relação entre o movimento fascista e o bolsonarismo, que, segundo ela, “não é o mesmo que o ‘governo de Jair Bolsonaro’, assim como ‘movimento fascista’ não é o mesmo que ‘regime fascista'” (texto disponível aqui). A análise de Thatiane me parece ser um bom caminho para pensarmos as próximas cenas da distopia que experimentamos diariamente. Se, como me parece, o bolsonarismo vai além do clã Bolsonaro e a liderança do fenômeno pode vir a ser ocupada por outros personagens, é preciso ter claro diante de nós do que se trata, que fenômeno é esse. Amanhã ou depois, Moro e similares poderão tentar dar uma cara nova para os mesmos anseios e ideias destrutivos que estão na base do que hoje chamamos bolsonarismo.
Esmiuçar esse fenômeno não é tarefa tão simples, mas é urgente, e muitos já começam a desbravar esse caminho. Nesse exercício, parece-me fundamental examinar as relações entre o lavajatismo e o bolsonarismo e atentar para o fato de que os dois têm cores e odores de movimentos fascistas. Na medida em que se torna mais difícil para os que agora estão no poder disfarçar essas cores e odores, mais necessário me parece nomear o fenômeno de forma mais precisa.
Francine Ribeiro é filósofa e professora no Instituto Federal campus Capivari.
Analisar essas relações é realmente importante para a compreensão dos fatos que vêm acontecendo no cenário político atual. Mas o que fazer diante das constatações apresentadas? Como corrigir a rota que está sendo traçada por quem está no poder?
Será que cabe o termo “bolso-fascista”, o que indica que o movimento (e não apenas o governo) bolso-fascista reúne velhos fantasmas do autoritarismo, uma “nova” política ultra-liberal e a pauta de costumes conservadores (calcada no discurso neo-pentecostal).