Umas levam vida de modelo, desfilam seus adornos, posam para as câmeras, participam de filmagens, encantam multidões e ganham dinheiro. Outras, menos enfeitadas, pastam a vida toda, sobrevivendo feito gado, num lugar distante dos grandes centros urbanos. Não têm fãs nem ganham beijos. Assim é a vida das lhamas que eu conheci no Peru, país de grandes contrastes, belezas estonteantes e um povo muito gentil.
Meu marido e eu chegamos a Lima dois dias antes do Natal. Enquanto nos levavam do aeroporto ao hotel, eu espichava minha miopia, tentando ver uma lhama nalgum canto do caminho. “Não vai ver lhamas em Lima,” um amigo me dissera. Mas o que custava tentar? Afinal, ver uma lhama, aquele camelinho andino, fofo como um carneiro, era meu sonho de infância.
Lima, cidade grande, um deserto à beira mar, com oito milhões de habitantes e lindos jardins mantidos à custa de irrigação. Lima, que só me deu lhamas de isopor, arame e lã, nos presépios das igrejas. Ou lhamas artesanais, nas lojas para turistas.
De Lima, fomos a Nazca, já sem nenhuma esperança de encontrar camelo andino naquele deserto cheio de linhas e geoglifos. Sobrevoamos umas vinte figuras: aranha, astronauta, colibri, macaco, cachorro… E desenhos geométricos, que a antiga civilização Nazca gravou no solo, com uma finalidade até hoje desconhecida.
Éramos mais de dez turistas de vários países passando mal em um aviãozinho que visitava duas vezes cada figura, ora inclinando-se 45o para a direita, ora para a esquerda, distribuindo o mal-estar igualmente entre os passageiros dos dois lados. Entre os geoglifos, há, certamente, uma lhama que não vimos, porque mais uma inclinação para qualquer lado nos faria devolver o café-da-manhã. Pousamos, ufa!
De Nazca, fomos a Paracas. As Islas Ballestas nos aguardavam com sua população de pelicanos, mergulhões, gaivotas, piguins, leões-marinhos, mexilhões, estrelas-do-mar… Dessa vez, éramos vinte turistas numa lancha, sobre as águas nervosinhas do Pacífico. Usávamos salva-vidas e bonés antititica, muito necessários quando milhares de aves marinhas sobrevoam nossas cabeças despejando o produto de sua digestão.
À cidade de Cusco, capital do Império Inca, chegamos de avião. Já não estávamos no deserto à beira mar, mas nos Andes, a 3.226 metros de altura. Fomos logo tomando o famoso chá de coca, indispensável para combater o mal de altitude.
Nossos primeiros passos cautelosos nos levaram à praça central. Preocupados com os possíveis efeitos colaterais do chá, andávamos lentamente, quando, ao virar uma esquina, uma alucinação esbarrou em mim. Tinha que ser uma alucinação. O que faria uma lhama de colete e colar ali na calçada, no centro da cidade? Cusco tem mais de quatrocentos mil habitantes e um trânsito que só se move a toques de buzina.
As cores berrantes que a lhama usava sugeriam uma alucinação de LSD e a camponesa andina, que a acompanhava, não vestia nada mais discreto. “Uma foto, amiga?” sugeriu a mulher.
Que alívio! Não era alucinação. Era uma lhama modelo e sua agente, prontas para posar para uma foto, mediante alguns trocados. Os três mil e tantos metros de Cusco são altos para os humanos vindos do litoral, mas, para as lhamas, não são nada. Somente as modelos vivem em Cusco. As outras moram nos Andes, sim, mas a quatro mil e muitos metros, junto com os condores.
O chá de coca não teve efeitos colaterais, mas as fotos com as lhamas ficaram um barato.
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Carla Ceres é escritora.
Valeu, Alê! Adorei a foto. 🙂 Beijos!
Oi, Carla!
Parabéns pelo texto!
Quanto a foto. Vocês me arranjam cada tarefa… (rsrsrs).
Abraço!
Alexandre